Voto Distrital Misto: uma opção pela organização
20/07/2021
Notas técnicas.

Voto Distrital Misto: uma opção pela organização

Faz décadas que debatemos no Brasil o que se convencionou chamar de Reforma Política. Em igual período é impossível dizer que não empilhamos, de forma desordenada, uma série de transformações em nosso sistema eleitoral, partidário, político e até mesmo alteramos regras da administração pública que impactaram a realidade política do país – um caso clássico aqui é a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Diversos foram os atores que protagonizaram tais reformas. Mudanças ocorrem sistematicamente em anos ímpares via Congresso Nacional com o objetivo de cumprirem o princípio da anualidade, valendo para o pleito do ano seguinte e buscando corrigir o que parlamentares e partidos entendem ser imperfeições. Por meio de interpretações, muitas vezes exageradamente polêmicas e criativas, o Tribunal Superior Eleitoral, comumente corroborado pelo Supremo Tribunal Federal, coloca o Judiciário nesse jogo como o maior de todos os responsáveis pelas alterações recentes – seja para legislar, o que chamam romanticamente de interpretações, ou para barrar a legislação aprovada. O Poder Executivo também não fica de fora desse debate. Primeiro porque fora das alterações constitucionais precisa sancionar mudanças legislativas, por vezes as vetando. Mas é importante lembrar que a ex-presidente Dilma Rousseff elegeu a reforma política como aquela capaz de responder ao desgaste social a partir das jornadas de junho de 2013. Por fim, historicamente, parcelas amplas da própria sociedade participaram dessa movimentação, seja na defesa de pautas ao sabor de suas causas legítimas, ou mesmo protagonizando a coleta de assinaturas para duas leis de inspiração popular: a Lei 9.840/99 contra a corrupção eleitoral e a Lei da Ficha Limpa.

A combinação de todos esses impulsos gera algo pouco coordenado e incapaz de nos mostrar o que se pretende em matéria de funcionamento harmônico de um sistema político, eleitoral e partidário. Que se destaque: desde 1982, quando começamos a redemocratizar o país a partir de eleições diretas para governadores dos estados, nunca uma eleição seguiu rigorosamente a regra do pleito anterior. Quando cientistas políticos afirmam ter suas “reformas políticas de estimação”, e isso se repete entre advogados eleitorais, membros da justiça, jornalistas, políticos e partidos, certamente será difícil se chegar a algo concreto e minimamente capaz de render consensos sob a lógica de grandes impactos. Sem esse adendo final, da dimensão do impacto, temos visto nos últimos anos o que se convencionou chamar de “montanhas parindo ratos”. Grandes esforços parlamentares e muito debate público que findam apelidados sistematicamente de minirreformas. Muitos recursos gastos geram pequenas alterações, com poucas exceções. E essas mudanças acanhadas, quando acumuladas, nos levam a ideia de que somos geradores de instabilidade jurídica, compondo um cipoal desordenado de regras. Quem sofre aqui é a democracia representativa, a ponto de existir quem diga que uma grande reforma política, extremamente desafiadora, seria congelar o sistema eleitoral, político e partidário por cinco eleições, ou seja, por dez anos. Isso daria à sociedade a chance de compreender de maneira estável como o jogo funciona. Mas perceba: isso também é uma ideia de estimação.

Diante desse cenário que torna o tema do desenho de um sistema eleitoral, político e partidário um desafio complexo, vamos pensar no que tem sido a característica mais criticada e menos capaz de gerar consensos no Brasil. Falamos especificamente do sistema proporcional, que tem sofrido reparos em tempos recentes e sob o qual elegemos deputados federais, deputados estaduais/distritais e vereadores. O desafio aqui são dois: entender o espírito do sistema atual, e a partir da ideia de subversão de sua alma, o que o tornaria mais bem organizado.

O sistema proporcional brasileiro funciona sob a lógica da lista aberta. Ou seja: é o voto do eleitor que diretamente impacta na preferência dos nomes eleitos pelos partidos políticos. Aqui a proibição das coligações atrapalhou a estratégia de algumas legendas, mas certamente organizou a inteligibilidade desse sistema. O voto do eleitor aqui, quando válido, começa sempre por dois dígitos de um candidato ou candidata que indica a legenda à qual esse sujeito pertence. Os deputados do PTB começarão sempre pelo 14, no PDT pelo 12, PL 22 e assim sucessivamente.
As eleições proporcionais no Brasil distribuem, sob uma mesma regra, entre oito e 94 vagas. Oito é o número mínimo de deputados federais que alguns estados podem ter, e 94 é o tamanho da Assembleia Legislativa paulista. Com base em totais distribuídos nesse espectro, elegemos quase 70 mil vereadores em 5.568 cidades, 1.059 deputados estaduais, incluindo aqui os 24 deputados distritais do Distrito Federal, e 513 deputados federais.

Nesse último caso existe o único diferencial em toda essa engenharia: os deputados federais brasileiros são eleitos sob uma lógica distrital proporcional. Ou seja, os estados são considerados distritos e cada unidade elege, proporcionalmente, um mínimo de oito e um máximo de 70 deputados federais de acordo com distorcido cálculo populacional. A correção dessa desproporção dificilmente ocorrerá, e se justifica, incluindo outros países, pelo fato de a distribuição demográfica no Brasil ser assustadoramente desigual. Num total de 27 unidades federativas representadas num coletivo parlamentar, São Paulo não poderia ter mais de 20% das vagas, uma vez que possui esse percentual da população. Não faria sentido imaginar que Roraima tivesse apenas um parlamentar. Para isso, de forma questionável, se criaram mínimos e máximos. “Questionável” porque o mínimo de oito já foi igual a quatro, e o máximo de 70 já foi 64 até os anos 80.

A lógica da eleição proporcional sugere então que a despeito de quem sejam os candidatos no interior de um partido, todos os seus votos serão somados e pertencem àquele grupo para fins de cálculos eleitorais. A soma de todos os votos válidos de uma eleição dessa natureza é dividida pelo total de vagas disputadas e o resultado dessa operação nos oferta a possibilidade de sabermos quantos votos são necessários para um partido eleger um parlamentar – chamamos isso de “quociente eleitoral”. Cada vez que uma legenda atinge esse total, ela garante uma cadeira, o que caracteriza uma lógica de proporcionalidade. Numa disputa de dez vagas, o partido que possui 20% dos votos em sua legenda e nos nomes que ofereceu aos cidadãos, terá garantido duas vagas – chamamos esse resultado de “quociente partidário” de uma dada legenda. E quem são esses sujeitos? Aqui uma característica importante: não serão quem o partido quiser nomear ou apontar, mas sim quem o eleitorado consagrou nas urnas no interior daquele grupo. Serão, nesse exemplo, os dois candidatos mais votados da legenda. Assim, uma vez conhecido o quociente partidário de cada partido, é a votação nominal no interior de cada legenda que ofertará os nomes eleitos.

A lei criou alguns desafios matemáticos adicionais para a caracterização do sistema proporcional brasileiro, mas nos basta saber aqui como funciona a sua lógica geral. O eleitor pode votar em candidatos, ou apenas no partido (voto de legenda) e é o desejo somado dos sujeitos que nos dará os eleitos no interior de cada partido que conquistar vagas. Simples assim, e note se tratar de um jogo coletivo – por mais que o ideário popular possa imaginar que se trata de uma corrida individual.

Nesse sistema existem dois princípios fundamentais e muito especiais: constituímos quase todos os parlamentos brasileiros – sendo exceção o Senado, eleito majoritariamente – respeitando as diversidades partidárias fruto dos desejos da população de cada cidade, no caso das Câmaras Municipais, e de cada estado nos casos dos deputados estaduais e federais. Ademais, por conta de a lista ser aberta, ofertamos a possibilidade de o eleitor se afeiçoar, dentro do seu partido predileto, a uma determinada figura. Isso em tese seria a democratização da influência do eleitorado nos partidos, e a consagração da oferta de pessoas minimamente sintonizadas às diversidades da sociedade divididas e organizadas ideologicamente em mais de 30 organizações.

Mas releia a última frase: “em tese”. Pois bem: uma coisa é o que temos e o que explica teoricamente aquilo que possuímos. A outra é o uso que fazemos disso à luz do caráter ilimitado de estratégias que distorcem essa lógica. Para que o sistema proporcional funcionasse de forma aparentemente positiva, seria necessário imaginar que os partidos fossem organismos minimamente reconhecidos, respeitados e legitimados pela sociedade em suas ideias, e que os nomes ofertados ao eleitorado para que ele os ordene de acordo com suas preferências tivessem um grau mínimo de adesão a causas, aspectos ideológicos etc. de cada legenda. Nada disso parece acontecer. De formas diferentes, e em graus distintos, diversas estratégias de captação de votos que desrespeitam a defesa de princípios ideológicos são estabelecidas pelos partidos. A estratégia do “puxador de votos” não carrega consigo a lógica de que se atrai pelos ideais partidários, mas sim por qualquer motivo capaz de reter a atenção do cidadão votante. Isso se repete no candidato: ele muitas vezes não se afeiçoa à legenda, mas sim calcula “onde precisa de menos votos para se eleger”. Naturalmente que num mundo ideal poderíamos esperar que o partido não filiasse pessoas desse modo, e muito menos lhes dessem uma vaga de candidato. Também poderíamos imaginar que o eleitor punisse legendas e postulantes que colocassem características que escapam às ideologias e ao debate público como prioridades em suas campanhas e planos pessoais. Mas isso não ocorre. Assim, distorcemos a oportunidade ofertada ao eleitor de constituir os eleitos com base em ideologias, ideias e projetos que deveriam ser defendidos por partidos e representantes de forma a ser possível distingui-los.

Antes de apresentar uma alternativa a isso, um detalhe: em instante nenhum se pode dizer que todo o eleitorado vota de forma errada. Não é isso. Ao eleitor é oferecida, normalmente, uma quantidade significativa de candidaturas. Muitos desses nomes estão sintonizados a ideias valiosas para o desenvolvimento das sociedades em diferentes medidas e direções, o que caracteriza de forma bastante razoável a democracia. Vários desses sujeitos aderem fortemente às causas de alguns partidos. Mas é claro que existem também os “inocentes úteis”, que estão no jogo como candidatos sem sequer compreenderem seu funcionamento, bem como aqueles que a despeito de qualquer adesão às causas partidárias são filiados e ganham um número nas urnas para arrebanhar mais ou menos votos. O que se está dizendo aqui é: o “agente organizador” do sistema proporcional brasileiro é o partido político, e isso se tornou ainda mais evidente com o fim das coligações. E o “agente ordenador” dos eleitos é o desejo do eleitorado via lista aberta e escolha de candidatos e legendas. Se os partidos não parecem servir, sob esse sistema, para organizar ideias, e se o eleitor parece despreocupado, em certa medida, quando escolhe candidatos em larga cesta de ofertas sem simpatia partidária, algo parece possível de ser aprimorado.

O Voto Distrital Misto surge como uma opção menos simples, mas capaz de sugerir maior grau de organização. O desafio maior é compreender que o eleitor teria que oferecer dois votos onde hoje oferece um. Seriam dois votos nas eleições para vereador, dois votos para deputado federal e dois votos para deputado estadual. Confuso? Não, apenas um pouco mais trabalhoso. Mas uma coisa é certa: ao invés de se desanimar com uma lista de dezenas, por vezes centenas de candidatos para se escolher um, o desafio aqui seria menos amplo.

O primeiro voto seria dado no partido (legenda) e o segundo numa candidatura organizada em termos regionais – ou distritais. No seu distrito o eleitor escolheria de forma majoritária – ao estilo “o mais votado ganha” – o representante daquele pedaço de território no parlamento. O segundo voto seria dado apenas na legenda de preferência do cidadão. Claro que isso significa que precisaremos nos afeiçoar mais aos partidos, mas devemos acreditar que isso pode ser saudável, e fará as legendas minimamente voltarem, em tese, a se preocuparem com estratégias de relacionamento com os eleitores. Aqui nesse segundo voto a distribuição das vagas é proporcional. Um partido que tiver 20% dos votos numa eleição que distribui por essa metade do sistema cinco vagas, garantirá para si uma delas. A pergunta final aqui: e quem será esse sujeito a ocupar essa vaga? O modelo aqui é o de lista fechada, ou seja, não é o voto nominal do eleitor que determina a ordem dos sujeitos dentro dos partidos, mas sim definições prévias dos próprios partidos que apresentam listas pré-ordenadas aos eleitores. Aqui ou o eleitor confia nos partidos, ou se filia ao seu grupo predileto e tenta impactar na construção da lista de forma mais direta. Nessas listas estará escrito algo como: se tivermos uma vaga o eleito será esse aqui, se forem duas o par é este e assim sucessivamente de forma publicizada, seguindo leis e conhecida do eleitorado antes do dia da votação.

Note que o caráter misto desse modelo atende a duas ideias que já estão presentes, mas de maneira menos formal, em nossa realidade: a ideia de que um parlamento pode representar regiões de um estado ou bairros de uma cidade, e a ideia de que partidos podem ser escolhidos e estarão representados pelas suas causas e ideologias. O problema é esse: hoje essas causas não são partidárias, e por vezes são pessoais. Eleitos se mostram diferentes dos demais discursos de seus partidos. Quem não se lembra do padre católico deputado pelo Partido Verde, uma legenda progressista que defende a liberdade de a mulher procurar um aborto legal sob determinadas condições? O sistema proporcional brasileiro distorceu a lógica dos partidos num sistema distante demais da clareza das ideias que defende.

Assim, pelo sistema misto, o lastro do sujeito eleito nominalmente é sua relação com o distrito. E o lastro do eleito pela lista é sua força dentro do partido, o que em tese o levaria a representar de forma mais evidente tais ideias. Reforçando: o voto distrital misto defende que regionalmente exista um eleito de cada distrito. Esse sujeito, em tese, tem que conhecer seu território, defender seus interesses, ser minimamente próximo de sua gente ou reconhecido por ela. Ademais, se defende que os partidos pedindo votos na legenda, e não mais de forma livre entre candidaturas distintas, organizem ideias e se mostrem mais fiéis às suas propostas ao eleitorado.

Problemas de diversas ordens, associados a desafios culturais e legais também existem nesse sistema, que em linhas gerais é adotado na Alemanha. Devemos imaginar o quanto os partidos, em listas fechadas que apelem para a sua ideologia, fazem sentido nas realidades de 5.568 cidades, por exemplo. Precisamos definir com assertividade o que seria a fidelidade partidária e a quem pertencem mandatos majoritários e proporcionais no interior dos parlamentos. Precisa-se definir quem financia, e como, tais eleições. É necessário desenhar a lógica da propaganda eleitoral, tanto em termos de ocupação de espaço nos meios de comunicação financiados com dinheiro público quanto no que tange à sobreposição das campanhas nominais e em lista. Assim como é importante destacar em quais dessas disputas as coligações seriam permitidas.

Além disso, um grande desafio é entender como os partidos organizariam essas listas. Seriam eleições internas? Como seriam organizadas? Ou seriam imposições de “donos de legenda” capazes de trazer sempre os mesmos nomes? Haveria alternância de gênero para a composição dessas listas? Algum outro marcador expressivo da sociedade poderia surgir aqui, como aspectos étnicos? Mandatos seriam limitados para os eleitos majoritariamente, como fazemos com o Poder Executivo, ou a reeleição seria livre como no Senado? Note que as perguntas não são fáceis, mas estão longe de serem complexas, restando organizar a proposta e atender a tais pontos, sempre tentando medir o impacto dos desenhos institucionais na lógica dos sistemas eleitoral, político e partidário.

Outro desafio significativo é definir os territórios dos votos nominais em candidaturas distritais. Uma cidade, por exemplo, terá que ser dividida de acordo com a metade de sua Câmara Municipal. Um parlamento com 12 vereadores teria representantes majoritariamente eleitos em seis distritos. Como desenhar essa divisão? Quais critérios considerar? Esses critérios são perenes ou revisados a cada pleito? Grandes escândalos e debates sobre o desenho dos distritos são antigos em realidades como a norte-americana e a venezuelana, por exemplo. Importante perceber que no caso do Brasil e suas heterogeneidades demográficas e territoriais, em alguns lugares esses distritos seriam pequenos e populosos, em outros assombrosamente grandes e com baixa densidade demográfica. O Amazonas, por exemplo, tem oito deputados federais. Quatro deles passariam a ser eleitos proporcionalmente em listas fechadas oferecidas pelos partidos aos eleitores, os outros quatro em número igual de distritos. Se o critério utilizado aqui fosse puramente territorial, cada distrito do Amazonas seria maior que o Mato Grosso do Sul, o sexto maior estado brasileiro. Este, por sua vez, também possui oito deputados federais, e se fosse dividido em quatro parcelas territoriais iguais os distritos teriam quase o tamanho de Santa Catarina. Na tabela final a proporção de todos os estados, sendo importante pensar em possíveis divisões de acordo com parcelas semelhantes da população por distrito. Aqui teríamos novos desafios: cada um dos 35 distritos federais de São Paulo – que tem hoje 70 deputados federais – teria em média 1,3 milhão de eleitores, o que para uma disputa majoritária exige esforços eleitorais expressivos e equivale à população inteira do Tocantins. Em termos municipais, pense que dividir as cidades de São Paulo e seus 55 vereadores em algo como 27 distritos seria como disputar uma eleição majoritária em realidades de 440 mil habitantes – população maior que a de Santos, litoral paulista. Dividir Altamira-PA, a maior cidade brasileira em termos territoriais, em 7 ou 8 distritos, tendo em vista seus 15 vereadores, representa que cada parcela do campo eleitoral teria ao menos 20 mil quilômetros quadrados, área maior que 26 das 27 capitais dos estados brasileiros.

Além disso, é necessário pensar em como organizar a sobreposição de distritos, uma vez que no Brasil simultaneamente elegemos deputados federais e estaduais, sendo que o total de representantes em cada assembleia legislativa é algo entre 34% e 200% maior que o total de membros das unidades federativas na Câmara dos Deputados. Note de novo: trata-se de questões difíceis, de bons desafios, mas respostas a tudo isso existem e decisões teriam que ser tomadas.

O desafio adicional nesse debate é resolver os arredondamentos de totais de vagas: centenas de parlamentos brasileiros, ou alguns estados em relação às suas vagas na Câmara dos Deputados, possuem número de cadeiras ímpares que divididos por dois não nos levam a valores inteiros. No Brasil a lei sugere que cerca de 85% das Câmaras Municipais têm entre nove e onze vereadores. Não existe, no valor mínimo, como eleger 4,5 vereadores em lista e dividir uma cidade em 4,5 distritos. Uma regra evidente, que não incorra impopularmente em elevar o total de representantes, parece ser a melhor resposta. Assim, aqui teríamos mais uma decisão: nos arredondamentos, priorizar o distrito ou a lista partidária?

Por fim, dentre outros aspectos que possam surgir, a questão é compreender como ficaria a cláusula de desempenho dos partidos políticos adaptada ao modelo distrital misto. Começou a valer em 2018 um marcador de performance que a despeito de suas fragilidades, impõe às legendas um resultado eleitoral crescente até 2030 com o intuito de dificultar o acesso de grupos menos representativos a recursos públicos. Em 2018, as exigências estavam definidas da seguinte maneira: garantiram acesso a determinadas prerrogativas os partidos que obtivessem nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 1,5% dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas; OU elegessem pelo menos 9 deputados federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação. Aqui, 14 dos 35 partidos de 2018 não foram exitosos, mas a lei permite que a posteriori ocorram fusões partidárias que deem à soma dos envolvidos a chance de cumprir a exigência legal – algo que ocorreu de fato. Por menos razoável que seja tal ação, o intuito de tentar reduzir o total de partidos se mostrou minimamente presente. Para 2022, de acordo com redação do portal Poder360, serão necessários 2% dos votos ou 11 deputados federais eleitos, distribuídos da mesma forma por um terço dos Estados. Em 2026 serão necessários 2,5% de votos em um terço dos Estados, com 1,5% dos votos válidos em cada um, ou 13 deputados de 9 Estados. Por fim, em 2030, 3% dos votos válidos, com pelo menos 2% dos votos em um terço dos Estados ou 15 deputados federais de 9 Estados. Não duvidemos que nos próximos anos o Congresso Nacional altere termos desta lei, sendo importante destacar que se as exigências de 2030 fossem trazidas aos resultados de 2018, teríamos atingido cerca de 11 partidos, com um elemento que deve trazer dificuldade a muitos partidos a partir de 2022: não mais serão permitidas coligações em pleitos proporcionais.

Importante notar aqui que as duas alternativas de exigência de desempenho trazidas pela lei têm inspiração na lógica mista. Os partidos precisam ter X% dos votos para deputado federal no país, com ao menos Y% em nove estados. Ou eleger, em diferentes estados, um total de deputados federais. A adequação aqui parece possível e simples: contabiliza-se o percentual de votos com base na lista fechada, que caracteriza bem a performance partidária mais ideológica, ou exige-se da legenda um total mínimo de distritos conquistados na lógica majoritária, o que simboliza a lógica mais individualizada.

Diante de tudo isso, parece razoável afirmar que o sistema Distrital Misto enfatiza e formaliza o poder que já damos aos partidos e destaca a associação do eleitor com representantes regionais, algo que já elege muitos parlamentares nos estados e nas cidades brasileiras. Essa proposta busca corrigir distorções e organizar melhor esses marcadores do sistema, sendo importante que nesse debate também seja incluída alguma possibilidade de acertar, respeitando os mínimos e máximos, o total de deputados federais por estado dentre as 513 vagas – algo que a tabela faz saltar aos olhos em termos dos problemas que temos hoje.

Ademais, se existem dificuldades decisórias a serem tomadas, para todas elas os debates dariam conta de boas respostas, que existem e merecem ponderações e atenção. Por fim: o sistema proporcional é sabidamente difícil, e o distrital misto não fica atrás em matéria de inteligibilidade. Fugir disso poderia nos levar a algo como: façamos o mais fácil para as pessoas entenderem. E aqui está o maior de todos os erros: o mais fácil nem sempre é o melhor, tampouco e muito menos o mais justo. Definitivamente, simplificar aqui pode nos dar o caráter simplório que em nada combina com a democracia e sua capacidade de representar. O ideal aqui é pensar em elevar, no médio e longo prazos, a capacidade cognitiva da sociedade e aprimorar sua relação com a política.

Tabela – Lógica de proporção considerando bancadas, territórios e populações estaduais

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