Uma nova modalidade de Ensino: Educação Básica à distância
8/04/2021
Gestão Pública.

Uma nova modalidade de Ensino: Educação Básica à distância

Após quase um ano de pandemia, já é possível um diagnóstico um tanto quando fidedigno sobre o que (provavelmente) chegou para ficar, a educação básica à distância, o que parece ser uma tendência educacional própria deste século. É claro, que aqui não me referido a ele, em sua integralidade como foi aplicado no ano de 2020, mas sim, uma mescla do ensino presencial e do remoto, ou seja, o ensino híbrido.

Mas a maior certeza é que a educação básica à distância, seja ela remoto ou híbrido, não se reduz ao que é planejado dentro das reuniões gestoras, ou no planejamento de aula dos professores. Entendemos na prática, que o ensino à distância trata-se de um processo aberto e informal, que se adapta, se adequa e se molda durante seu percurso e a cada realidade em que é introduzido.

Nesse sentido, vale colacionar a compreensão da modalidade de Educação à Distância (EaD) abordada no Parecer do Conselho Nacional de Educação CNE/CP-05/2020:


(…) cumpre observar que as normas do CNE , via de regra, definem a EaD como modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica, nos processos de ensino e aprendizagem, ocorre com a utilização de meios e tecnologias digitais de informação e comunicação. Pode-se observar que o conceito de educação à distância no Brasil está intimamente ligado ao uso de tecnologias digitais de informação e comunicação, além de um conjunto de exigências específicas para o credenciamento e autorização para que instituições possam realizar sua oferta.”


A educação básica à distância e a rotina de trabalho

Temos ciência dos esforços das Redes e Sistemas de Ensino em se reinventar para sustentar, mesmo que minimamente, os processos educacionais em 2020, sabemos do comprometimento dos professores e gestores das Secretarias em oferecer um ensino de qualidade, que de fato encantasse os alunos, os mantivesse motivados e tranquilizasse os pais, tudo isso por meio de materiais inéditos, recursos de apoio, leituras sistematizadas, plantões online de dúvidas, seleção de habilidades foco, produção de vídeoaulas e transmissões ao vivo.

Nesse diapasão, a Fundação Carlos Chagas, em parceria com a UNESCO do Brasil e com o Itaú Social realizou uma pesquisa com os professores das Redes Públicas e Privadas a fim de entender como foi a rotina dos professores durante o ensino à distância, comprovando o que já era esperado, mais de 65% dos entrevistados afirmaram que o trabalho pedagógico mudou e aumentou, em especial no que tange a interface e interação digital.

Todos sempre com o lema: “Nenhum aluno para trás”. O que comprova, sem sombra de dúvida, que a tecnologia, seja ela qual for, é apenas mero meio de aprendizagem e que nada substitui o professor ou o ambiente escolar.


Oportunidades trazidas pela educação básica à distância

Importante destacar ainda que, a pandemia e o ensino à distância trouxeram algo que era esperado por muitos, o fortalecimento no vínculo Escola-Família. Afinal, os pais tiveram que entender seus papéis e a importância da presença dentro dessa nova proposta educacional, visando o auxílio e estímulo dos filhos, no oferecimento de um ambiente adequado e uma rotina disciplinada.

A retomada desse vínculo foi objeto da pesquisa Datafolha, encomendada pela Fundação Lemann, Itaú Social e Imaginable Futures e comprovou que 51% dos pais ou responsáveis brasileiros consideram que participaram mais ativamente da educação dos estudantes, índice esse que atinge 58% na região Sul e 57% no Centro-Oeste. A referida pesquisa afirma ainda que, 72% dos pais ou responsáveis concordam que estão com maior responsabilidade pela educação dos educandos durante a pandemia, do que antes. Outro dado muito relevante que o levantamento traz é de que 71% dos responsáveis pelos estudantes passaram a valorizar o trabalho dos professores.

A Fundação Carlos Chagas também abordou o tema, contudo, sob o olhar dos profissionais da educação, sendo que 45,6% dos professores indicaram um aumento na relação Escola-Família e 47,2% vislumbram um aumento no vínculo Aluno-Família.
Assim, é possível crer que as transformações trazidas pela pandemia no cenário educacional, em especial, estreitamento do laço entre família e escolas, fazem com que as políticas de valorização dos professores ganhem mais força e respeito por parte da sociedade e, consequentemente, passem a ser objeto de discussões dos Poderes Executivo e Legislativos.


Falta de reverberação na educação básica à distância

Fica evidente, também, a necessidade de investimento em tecnologia de qualidade na Educação, seja em formação ou em aquisição de notebooks, tablets, smartphones, internet móvel, tanto aos professores e gestores, quanto para os alunos, afinal, a Educação Básica é reconhecida como um direito público subjetivo, o qual é assegurado pela nossa Constituição Federal.

Portanto, no contexto do ensino à distância, educar deve ser entendido como garantir aos alunos o acesso e meios ao pleno desenvolvimento, tendo como premissa o disposto no artigo 206, I, da Lei Maior “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”. Deste modo, trocando em miúdos, se o acesso à “escola” será, por ora, por meio de um “computador”, cumpre ao Poder Público assegurar essa ferramenta. Até mesmo porque, segundo Marco Silva, citado por Alexsandro Sunaga e Camila Sanches de Carvalho na obra “Ensino Híbrido – Personalização e tecnologia na educação”:

“Uma escola deve responder às necessidades econômicas e sociais de seu tempo. Ao promover a aprendizagem por meio das tecnologias adequadas e a inclusão de seus alunos na cultura das tecnologias digitais, ela estará contribuindo para o desenvolvimento de futuros profissionais aptos a trabalhar em um novo modo de produção…”

As desigualdades da educação básica à distância

Isto porque, segundo pesquisa “TIC Domicílios”, realizada pelo Centro Regional de Estudos para Desenvolvimento da Sociedade da Informação, em 2018, somente 42% das casas brasileiras têm computador, vale destacar ainda, que esse cenário é ainda mais preocupante quando analisado em populações menos favorecidas, constatando-se que nas classes “D” e “E”, 85% têm acesso à internet apenas pelo aparelho celular.

De acordo, também, com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do último trimestre de 2018, o percentual de jovens estudantes, com 14 anos ou mais que possuem acesso à internet, ultrapassa 95% nas três primeiras regiões, 81% na região Norte e 86% na região nordeste. Quando se incluem os jovens entre 10 e 13 anos, os percentuais mantêm-se na faixa de 92% nas regiões Sul, Sudeste e Centro Oeste e cai para 71% na região Norte e 79% na região Nordeste.

O relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – ODCE, divulgado em setembro de 2020, trouxe dados que comprovam que o Brasil tem a pior proporção de computador por aluno, entre os países testados no Programa Nacional de Avaliação de Estudantes – PISA, enquanto a média nos países desenvolvidos é de um computado por estudante, aqui temos dez alunos por equipamento.
Diante de uma análise superficial dos dados acima é possível notar que a questão do acesso vai muito além da posse de um aparelho. Afinal alunos em situação de vulnerabilidade encontram a dificuldade em ter que estudar por um aparelho com pouca memória e conexão, bem como ter que dividir o celular com os demais irmãos ou, ainda, só ter acesso ao aparelho no final do dia, quando os pais chegam do trabalho.

Finalmente, entendemos que há muito se discute sobre o uso de ferramentas digitais para uso pedagógico, contudo, em 2020 ficou claro que a discussão técnico-teórica avançou, mas não encontrou qualquer eco na prática


Políticas públicas educacionais

Vivemos uma sociedade plural e dinâmica, assim, a compreensão da necessidade pedagógico- educacional altera-se ao longo dos anos. As políticas públicas voltadas à educação em sua maioria estão ligadas aos momentos históricos em que o mundo vivem, bem como à leitura realizada pelo poder público de cada época.


As políticas educacionais são definidas por meio de um processo pedagógico-educacional, entre entes federados, em que se debatem temas e meios para a efetiva garantia de uma educação de qualidade, pautada na legislação vigente. Importante mencionar, ainda, que a elaboração de uma nova política educacional requer a participação da sociedade, ou seja, daqueles a quem ela se destinará, educadores, pais e alunos.
Afinal, ao desenvolvermos novos modelos educacionais engendrados pelos cidadãos juntamente ao Poder Público possibilitamos um maior desenvolvimento da educação, bem como uma sociedade capaz de questionar com seriedade e buscar o bem do educando, sem objetivar manobras políticas e/ou interesses pessoais.

Podcast Coisa Pública: Como melhorar a educação no Brasil?


As políticas educacionais se originam das necessidades da comunidade escolar e das demandas identificadas pelos gestores durante a lida diária dentro das escolas e Secretarias de Educação. Assim, iniciam-se movimentos para entender o cenário, as demandas, as perspectivas, os obstáculos e, claro, a busca por soluções.


Em geral, a criação dessas políticas é objeto de discussão de grupos que militam na área, Sindicatos e instituições representativas, dos Conselhos Estaduais de Educação, bem como, do Conselho Nacional. Após as discussões, em sua maioria, as políticas educacionais precisam ser efetivadas por meio de atos do Poder Legislativo ou Executivo.


Sobretudo, a criação das políticas educacionais deve considerar o que dispõe a Constituição Federal Brasileira e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, em especial no que tange o direito de acesso à educação de toda e qualquer criança.
Portanto, ao vislumbrarmos o cenário acima disposto, podemos entender que a função das políticas educacionais nada mais é que ajudar a conduzir os conflitos e avançar diante dos desafios que pairam sobre a educação brasileira.


E a equidade do acesso à educação básica à distância?

Considerando os dados e informações já abordados até aqui, é possível perceber que o ensino remoto acentua nitidamente o cenário de desigualdade educacional brasileiro, trazendo prejuízos humanos, sociais e econômicos que a impossibilidade de acesso a um ensino básico de qualidade pode trazer, fazendo com que o Brasil regrida não somente na educação propriamente dita, mas também em outros pilares essenciais de uma sociedade.


Assim, entendo que urge a necessidade de implementação de uma política educacional nacional para monitoramento e investimento no ensino à distância, afinal, tendo em vista a importância da educação como um direito social garantido pela nossa Constituição, bem como, o fato de que as políticas educacionais são parte do processo de crescimento e desenvolvimento do país, não há nada mais urgente no momento que o Poder Público invista no ensino à distância e tudo que for necessário para seu desenvolvimento.

Amazonas vira case de sucesso na educação

Lembramos aqui do case de sucesso educacional do Estado do Amazonas, que tinha à frente da Educação na época, o ex-ministro e atual Secretário de Educação de São Paulo, Rossieli Soares, que em 2007 criou o Centro de Mídias de Educação do Amazonas (CEMEAM), uma política educacional vanguardista oferecendo recursos de interatividade em tempo real, mídias planejadas para o oferecimento de atividades síncronas e assíncronas.


As aulas oferecidas pelo CEMEAM são produzidas por professores especialistas e convertidas em material televisivo e são transmitidas diariamente em horário regular, dentro das salas de aulas que contam com kit tecnológico e professor para mediar o processo de aprendizagem.
Entendo, contudo, que, a criação dessa política educacional voltada ao ensino à distância e a busca por sua qualidade equidade deveria ser uma iniciativa do Governo Federal, isto porque, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia (IBGE) sobre a soma de todos os bens e serviços produzidos pelos estados brasileiros, durante ano o de 2018, encontramos grandes discrepâncias, a exemplo do estado dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais que possuem PIB de 2.210.562.000, 758.859.000 e 614.876.000, respectivamente, enquanto Amapá, Acre e Tocantins atingem a marca de 16.795.000, 15.331.000 e 13.370.000.


O que é preciso ser feito para mudar essa realidade educacional?


Assim, acredito que se a essa política pública se der por iniciativa de cada ente federado estaríamos ainda mais, diante de uma desigualdade acentuada, já que as arrecadações de cada estado brasileiro diferem imensamente. Não seria crível que os alunos de São Paulo tivessem acesso uma educação à distância de qualidade, repleta de tecnologia e canais, enquanto os alunos do Acre penam diante da falta de recursos e professores especializados, isso sem mencionar as diferenças nas arrecadações municipais, realidade em que muitas cidades brasileiras dependem dos recursos vinculados para sua manutenção.


Deste modo, a criação de um Programa Nacional Pró Educação Remota estabeleceria padrões mínimos de qualidade na educação básica remota nacional, sendo possível o oferecimento de uma educação de qualidade aos educandos.


Contudo, a implementação de uma política educacional requer comprometimento com a educação e com o futuro da nação. O que tem se visto até o momento, em âmbito federal, é um completo desconhecimento educacional e das funções do Ministério, tudo isso aos brados de declarações em que se afirmam não ser função do MEC o auxílio das Redes de Ensino no enfrentamento do reflexo educacional da pandemia da COVID-19. Tristes tempos, em que o diálogo institucional não é permitido e que o regime de colaboração previsto na Carta Maior é ignorado.

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Eduardo Guerra é advogado, pós-graduando em Gestão Pública e Direito Educacional, e ex-secretário de Educação de Franca/SP.

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