Posicionamento do CLP sobre o voto impresso
20/07/2021
Notas técnicas.

Posicionamento do CLP sobre o voto impresso

Especialistas em segurança do voto no mundo falam que existem diferentes níveis de garantias operacionais contra fraudes que distorçam o desejo dos eleitores nas urnas. Isso pode ser uma preocupação maior ou menor das sociedades. No Brasil, por exemplo, a urna eletrônica foi adotada porque conhecidas fraudes distorciam até meados dos anos 90 o desejo do cidadão.

Com a adoção do equipamento, ganhamos de dois lados: na rapidez da apuração e na redução dos crimes. Ambos podem estar associados em certa medida, mas a simpatia do universo jornalístico pela agilidade dos resultados, por exemplo, não está atrelada apenas às certezas institucionais, mas também ao fato de que a notícia se torna mais intensa e o debate mais caloroso quando tudo é conhecido de forma mais ágil.
A despeito de tal condição, agilizar a apuração fez com que acabássemos com a fraude dos votos brancos que eram encontrados pelos interiores e beneficiavam deputados em busca de disputar a fronteira entre a eleição e a suplência, por exemplo. O sistema aqui também precisou mudar, e em meados dos anos 90 o voto em branco se tornou tão inválido quanto a escolha pelo voto nulo. Aqui resolvemos um problema que as cansativas apurações traziam.

Ainda assim, a urna eletrônica trouxe problemas adicionais. Primeiramente foi questionada em uma maratona de hackers faz alguns anos. Um pesquisador à época da Unicamp e sua equipe, dentre vários grupos que puderam explorar o sistema, garantiam que tecnicamente existiam problemas. Em forma de texto acadêmico, tal relatório foi descrito em edição da Revista Cadernos Adenauer de 2014, em dossiê temático sobre a Justiça Eleitoral, por Diego Aranha et.al. O Tribunal Superior Eleitoral garante que resolveu os problemas, mas outros ainda estavam por vir.

Fraudes diversas, tendo a fragilidade da captura de votos como alvo foram descritas em artigo do número 08 da revista Justiça Eleitoral em Debate, do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, de Humberto Dantas e Luna Chino, em 2018. Dentre vários absurdos criminosos relatados ali, ficou evidente o quanto a biometria era absolutamente essencial à segurança eleitoral. Quando um ministro do STF, em exercício de função no TSE, disse faz alguns anos que a soma de abstenções e comparecimentos superava o total de eleitores, parte do problema maior veio à tona. Existe gente que justifica o voto, mas também pessoas que se fazem passar por este ausente para votarem. Uma advogada de um partido político que se diz historicamente contrário à urna eletrônica costuma dizer que em algumas seções eleitorais o fluxo horário de votação destoa muito da média dos demais locais próximos. Isso, em tese, seria motivado pela capacidade de unilateralmente um agente ter o poder de acionar a urna eletrônica em nome do eleitor, ausente, e votar por ele. Tais ocorrências seriam registradas perto das 17h00. A justiça se defendia dizendo que a diversidade de mesários e a presença de fiscais dos partidos impediria tal golpe, mas isso é pouco para a garantia da segurança necessária. A partir de então, e reconhecendo a fragilidade de a operação chamada VOTO se dar sem a presença do legítimo detentor do direito político no local, a biometria foi instalada em diversos estados, com tendência a se universalizar – e só não foi utilizada em 2020 para se evitar mais um contato manual do eleitor com equipamentos em tempos de pandemia.

Dito isso, outro capítulo dos questionamentos se seguiu – e ele não tem nada de novo. Dessa vez, reedita-se a ideia de que dois mecanismos de votos precisam ocorrer simultaneamente: o voto eletrônico e a sua versão impressa. As desconfianças sempre existiram, associadas à ideia de que o eleitor votaria em A e a urna subvertida distorceria tal desejo registrando voto em B. Seria mesmo possível? O equipamento não tem nenhuma ligação com o universo virtual, mas ainda assim sua programação poderia ser alterada, segundo críticas que carecem de sustentação técnica. Em 2014, por exemplo, há quem diga que Aécio Neves (PSDB) venceu o pleito, mas o equipamento teria dado vitória à Dilma Rousseff (PT). Importante lembrar que no domingo, 26 de outubro de 2014, a informação de que o mineiro teria vencido foi vazada de forma entusiástica por um alto agente da justiça eleitoral que carece de cognição estatística e matemática. Ainda assim, tal figura foi levada a sério. O discurso contaminou os derrotados. Em 2018, Jair Bolsonaro declarou antes da campanha que não aceitaria resultado diferente da vitória, e culpou a urna eletrônica por eventual fracasso que não ocorreu. Seguindo em seu ímpeto convicto, o presidente eleito declarou à imprensa que venceu a eleição em primeiro turno. Teria, assim, sido vítima da urna eletrônica fraudada. E desde que tomou posse tem sistematicamente reforçado suas críticas e garantindo, adicionalmente, sem qualquer prova, que Aécio Neves derrotou Dilma Rousseff em 2014.

A narrativa está enredando previsões de derrota. Bolsonaro insiste que apenas a adoção do “voto impresso” garantiria a verdade eleitoral. Mas o que isso significa? Primeiramente investimentos na casa dos quase R$ 3 bilhões para a instalação de um sistema acoplado às urnas eletrônicas que permite a impressão do voto. Em países como a Venezuela isso ocorre. O eleitor vota eletronicamente, seu desejo é impresso, ele atesta o que está no papel, e se aquilo for condizente com seu desejo deposita o comprovante numa urna física, reafirmando a sua escolha na máquina. Mais seguro? Depende. No país vizinho dizem que costuma funcionar, mas o nível de atenção dos mesários tem que ser multiplicado. Olho no voto eletrônico e no depósito do papel na urna. No papel CERTO em caso de correção.

No Brasil se defende a ideia de que não se tenha contato físico com esse voto impresso. Ele seria automaticamente depositado na urna de lona, e corrigido da mesma forma se o eleitor revisasse sua escolha – um visor que não permite o toque separaria o eleitor do papel. A isso se deu o nome de voto “auditável”. Assim, no instante de contabilizar os votos, os vencedores seriam conhecidos de forma ágil pela votação eletrônica, enquanto uma apuração paralela e mais lenta somaria as escolhas impressas. Em caso de distorção, o primeiro grande problema: quantas recontagens serão necessárias? Quem de fato está com a razão? Onde estaria a fraude? Isso tudo compensa? O problema aqui não está associado à eleição presidencial, cuja menor diferença no Brasil em termos históricos ficou nos 3,5 milhões do segundo turno de 2014.

O percentual mínimo não pode deixar de esconder o volume: 3,5 milhões de pessoas. Isso equivaleria ao terceiro maior eleitorado municipal do Brasil, abaixo apenas de São Paulo e Rio de Janeiro, e cerca de 80% maior que os eleitorados de Belo Horizonte ou Salvador – ou seja, quase a soma dos dois. Distâncias como a de Lula em 2002 e 2006, com cerca de 20 milhões de margem no segundo turno, ou de algo perto dos 10 milhões registrados por Dilma Rousseff em 2010, e Jair Bolsonaro em 2018, seriam frutos de possíveis fraudes? Muito pouco provável. Mesmo no voto manual de 1994, foram cerca de 17 milhões de vantagem a Fernando Henrique Cardoso no primeiro turno. Por fim, em 1989 Collor venceu com distância de 4 milhões de votos no sistema manual na segunda volta. Uma eleição presidencial no Brasil parece difícil de ser fraudada a partir da burla do sistema de captação de votos. O que pode ocorrer e é intenso e questionável são os empates nas eleições para vereador em centenas de cidades. Mas ainda assim: o voto impresso compensa?

O investimento não parece prioritário nesse instante, e mesmo com uma economia pujante e num instante saudável, o CLP se pergunta o quanto quase R$ 3 bilhões não seriam infinitamente mais importantes em outros setores de nossa sociedade e-ou economia. Ampliar as garantias de pleno funcionamento da lógica biométrica, garantindo que efetivamente o voto do eleitor seja condizente com sua presença e desejo são mais importantes. E esses esforços, reconhecemos, têm sido empreendidos pelo país. Por fim, partidos políticos se dividem em relação à temática. Historicamente, o PDT do falecido Leonel Brizola tem histórico em relação a tal questão. A despeito de tal posição, legendas fecharam questão contrária à temática e prometem não aprovar a iniciativa. Bolsonaro se mantém ativo contra o equipamento e já declarou que sem voto impresso “não haveria eleição”. Advertido por presidentes de outros poderes, mudou o discurso e disse que assim poderia desistir de disputar a eleição. Aqui a separação é nítida: uma decisão, de participar ou não, é dele no campo pessoal; a outra, de ameaçar a democracia, o CLP condena veementemente.

Humberto Dantas, head de Educação do CLP

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