As políticas públicas para a infância como uma oportunidade de reconquista dos espaços urbanos pós-pandemia
Um dos efeitos do isolamento social imposto pela pandemia de 2020 foi a percepção de como o espaço urbano faz falta – um bom espaço urbano, claro. Com academias e clubes fechados, as atividades físicas passaram a ser realizadas em ruas e praças. Com o risco do transporte coletivo lotado, muitos trajetos passaram a ser feitos a pé ou de bicicleta. Fechados em apartamentos, os confinados passaram a sonhar com uns minutos de sol no parque.
Se, por um lado, a valorização do espaço público veio à tona – para alegria de urbanistas, que historicamente trabalham para isso –, por outro, é fundamental que o poder público saiba aproveitar essa oportunidade para consolidar algumas mudanças de comportamento em direção a um estilo de vida mais saudável e a uma cidade mais humana. Caso isso não aconteça, assim que as atuais restrições terminarem, a vida voltará a ser como antes, com os mesmos problemas de antes.
A valorização de espaços urbanos acessíveis
Uma vez reconhecida a importância do espaço urbano, é hora de implementar as políticas públicas que possam, efetivamente, torná-lo melhor, mais justo e mais democrático. Isso significa, em princípio, oferecer segurança e acessibilidade para todos os que se deslocam na cidade – em especial quando usam seus próprios pés ou cadeira de rodas. Significa compreender que cair na calçada por causa de um buraco ou morrer atropelado ao atravessar a rua não é normal.
Valorizar a mobilidade a pé é entender que esse é um modo de transporte que precisa de investimentos do poder público, como todos os outros. E cabe ao poder público sinalizar, claramente, a inversão de prioridades nos modos de deslocamento, colocando os pedestres e depois os ciclistas – não os carros – no topo da lista.
O que os governos podem fazer?
Alguns líderes no mundo já estão fazendo: a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, no cargo desde 2014, é um bom exemplo. Anne defende uma cidade em que os carros reduzam a velocidade para que pedestres e ciclistas tenham prioridade. Ela ampliou as ciclovias, formando uma rede com cerca de 1.000 km que atravessam a cidade passando por trechos à margem do rio Sena, ora em largas avenidas, ora em ruazinhas estreitas. Nos últimos meses, foram criadas mais faixas temporárias, que deverão se tornar efetivas após a pandemia.
A prefeita também criou o plano Paris em 15 minutos, com a meta de que todos os moradores possam ter suas necessidades básicas de comércio, serviço e lazer atendidas em, no máximo, 15 minutos de caminhada ou pedalada a partir de suas casas. Pode parecer um sonho, mas a despeito de todas as dificuldades que Anne sofreu no processo, os parisienses acabam de reelegê-la para mais 6 anos no mandato. Bom sinal.
Políticas públicas para a Primeira Infância em Jundiaí
Em Jundiaí, município paulista com população estimada de 420 mil habitantes, um conjunto de ações pela valorização do espaço público tem se consolidado a partir de 2017 com a implementação da Política Municipal da Criança na Cidade.
A política pública se estruturou a partir da percepção de que as ações relativas à infância, realizadas prioritariamente pelas pastas de Educação, Saúde e Assistência Social, mas também por Cultura, Esporte e Lazer, eram tratadas de forma isolada por cada área e sem relação urbanística com o território em que estavam inseridas – o que parece ser a regra nas cidades brasileiras.
Três programas que remodelaram os espaços urbanos para a Primeira Infância
Programa Entre a Casa e a Escola
O Programa Entre a Casa e a Escola propõe a requalificação urbanística dos trajetos das crianças até as escolas. Ele parte da constatação de que, todos os dias, milhares de crianças vão à escola e grande parte destes deslocamentos é feita a pé. Se não é possível melhorar todas as calçadas da cidade, a prioridade deve ser dada aos pontos onde há maior frequência de deslocamentos.
Em Jundiaí, uma pesquisa sobre a mobilidade dos alunos do 1° ao 5° ano escolar da rede pública realizada em agosto de 2017 apontou que 65% das crianças vão a pé para a escola. É um número que justifica o interesse do poder público pelos caminhos onde passam tantas crianças, em suas rotinas diárias. A partir da localização no mapa das residências das crianças e seus trajetos principais, são feitos projetos específicos que vão desde a reforma de calçadas, instalação de faixas elevadas para travessia segura de pedestres, sinalização horizontal e vertical, bancos para descanso, vasos de plantas e pintura de brincadeiras no piso, até a remodelação de praças e pequenas áreas de brincar.
O objetivo é promover um conjunto de ações que possam favorecer a apropriação dos espaços urbanos por crianças e suas famílias, contribuindo com seu processo de aprendizagem, convívio social e desenvolvimento de identidade urbana.
Programa Ruas de Brincar
Instituído em 2019 por meio de Decreto, ele autoriza a restrição do acesso de veículos em vias da cidade, por um ano, aos finais de semana e feriados. Basta uma solicitação de 75% dos moradores locais e a certificação de que a rua não está na rota de transporte coletivo, que a autorização é dada. Não há custos para o poder público, ele apenas cria condições para que a própria comunidade se organize. As ruas são utilizadas para jogar bola, pular corda, andar de bicicleta ou simplesmente para colocar cadeiras, conversar com os vizinhos e observar as crianças brincarem livremente.
Comitê das Crianças
É um órgão consultivo composto por 28 crianças (14 meninas e 14 meninos) de nove anos a onze anos de idade de todas as regiões do Município, criado para dar voz às crianças nas discussões de políticas públicas voltadas à infância. Indicadas por meio de sorteio, elas se reúnem para tratar de ideias, propostas e demandas para que Jundiaí se torne cada vez mais uma ‘Cidade das Crianças’. Os encontros são mensais e contam com a presença do prefeito no primeiro e último encontros do ano, quando ele toma conhecimento das deliberações feitas pelo grupo e se compromete a atender algumas delas.
O Comitê pretende dar voz às crianças nas discussões de políticas públicas voltadas à infância
Enquanto houver crianças que sonhem com espaços urbanos de qualidade, haverá esperança de cidades cada vez melhores.
Sylvia Angelini é arquiteta e urbanista, com graduação e mestrado pela USP. Servidora pública na Prefeitura de Jundiaí desde 2004. Diretora de Urbanismo desde 2017 e líder MLG pelo Master em Liderança e Gestão Pública. Finalista no 2° Prêmio de Liderança Pública com a Política Pública da Criança na Cidade (2019).
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