19/08/2020
Gestão Pública, Primeira Infância.

As políticas públicas para a infância como uma oportunidade de reconquista dos espaços urbanos pós-pandemia

Políticas públicas para a primeira infância reconquistar espaços urbanos

Um dos efeitos do isolamento social imposto pela pandemia de 2020 foi a percepção de como o espaço urbano faz falta – um bom espaço urbano, claro. Com academias e clubes fechados, as atividades físicas passaram a ser realizadas em ruas e praças. Com o risco do transporte coletivo lotado, muitos trajetos passaram a ser feitos a pé ou de bicicleta. Fechados em apartamentos, os confinados passaram a sonhar com uns minutos de sol no parque.

Se, por um lado, a valorização do espaço público veio à tona – para alegria de urbanistas, que historicamente trabalham para isso –, por outro, é fundamental que o poder público saiba aproveitar essa oportunidade para consolidar algumas mudanças de comportamento em direção a um estilo de vida mais saudável e a uma cidade mais humana. Caso isso não aconteça, assim que as atuais restrições terminarem, a vida voltará a ser como antes, com os mesmos problemas de antes.

 

A valorização de espaços urbanos acessíveis

 

Uma vez reconhecida a importância do espaço urbano, é hora de implementar as políticas públicas que possam, efetivamente, torná-lo melhor, mais justo e mais democrático. Isso significa, em princípio, oferecer segurança e acessibilidade para todos os que se deslocam na cidade – em especial quando usam seus próprios pés ou cadeira de rodas. Significa compreender que cair na calçada por causa de um buraco ou morrer atropelado ao atravessar a rua não é normal.

Valorizar a mobilidade a pé é entender que esse é um modo de transporte que precisa de investimentos do poder público, como todos os outros. E cabe ao poder público sinalizar, claramente, a inversão de prioridades nos modos de deslocamento, colocando os pedestres e depois os ciclistas – não os carros – no topo da lista.

 

O que os governos podem fazer?

 

Alguns líderes no mundo já estão fazendo: a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, no cargo desde 2014, é um bom exemplo. Anne defende uma cidade em que os carros reduzam a velocidade para que pedestres e ciclistas tenham prioridade. Ela ampliou as ciclovias, formando uma rede com cerca de 1.000 km que atravessam a cidade passando por trechos à margem do rio Sena, ora em largas avenidas, ora em ruazinhas estreitas. Nos últimos meses, foram criadas mais faixas temporárias, que deverão se tornar efetivas após a pandemia.

A prefeita também criou o plano Paris em 15 minutos, com a meta de que todos os moradores possam ter suas necessidades básicas de comércio, serviço e lazer atendidas em, no máximo, 15 minutos de caminhada ou pedalada a partir de suas casas. Pode parecer um sonho, mas a despeito de todas as dificuldades que Anne sofreu no processo, os parisienses acabam de reelegê-la para mais 6 anos no mandato. Bom sinal.

 

Políticas públicas para a Primeira Infância em Jundiaí

 

Em Jundiaí, município paulista com população estimada de 420 mil habitantes, um conjunto de ações pela valorização do espaço público tem se consolidado a partir de 2017 com a implementação da Política Municipal da Criança na Cidade.

A política pública se estruturou a partir da percepção de que as ações relativas à infância, realizadas prioritariamente pelas pastas de Educação, Saúde e Assistência Social, mas também por Cultura, Esporte e Lazer, eram tratadas de forma isolada por cada área e sem relação urbanística com o território em que estavam inseridas – o que parece ser a regra nas cidades brasileiras.

E é justamente a necessidade de que uma política para a infância seja transversal e envolva todas as áreas o que a torna tão relevante e garanta seu sucesso. Para James Heckman, vencedor do Nobel de Economia em 2000, não há melhor investimento para a sociedade do que cuidar da primeira infância, porque as ações voltadas para essa fase da vida têm o poder de minimizar a carga que as demais políticas públicas carregam. Cuidar bem dos pequenos tem efeitos benéficos para a saúde (adultos com menos problemas crônicos), diminui a criminalidade, traz melhores resultados na educação, potencializa a produção de riqueza. Estudos mostram que cada dólar investido na primeira infância (0 a 6 anos de idade) traz até 7 dólares de retorno para a sociedade.

 

Três programas que remodelaram os espaços urbanos para a Primeira Infância

 

Programa Entre a Casa e a Escola

 

O Programa Entre a Casa e a Escola propõe a requalificação urbanística dos trajetos das crianças até as escolas. Ele parte da constatação de que, todos os dias, milhares de crianças vão à escola e grande parte destes deslocamentos é feita a pé. Se não é possível melhorar todas as calçadas da cidade, a prioridade deve ser dada aos pontos onde há maior frequência de deslocamentos.

Em Jundiaí, uma pesquisa sobre a mobilidade dos alunos do 1° ao 5° ano escolar da rede pública realizada em agosto de 2017 apontou que 65% das crianças vão a pé para a escola. É um número que justifica o interesse do poder público pelos caminhos onde passam tantas crianças, em suas rotinas diárias. A partir da localização no mapa das residências das crianças e seus trajetos principais, são feitos projetos específicos que vão desde a reforma de calçadas, instalação de faixas elevadas para travessia segura de pedestres, sinalização horizontal e vertical, bancos para descanso, vasos de plantas e pintura de brincadeiras no piso, até a remodelação de praças e pequenas áreas de brincar.

O objetivo é promover um conjunto de ações que possam favorecer a apropriação dos espaços urbanos por crianças e suas famílias, contribuindo com seu processo de aprendizagem, convívio social e desenvolvimento de identidade urbana.

 

Programa Ruas de Brincar

 

Instituído em 2019 por meio de Decreto, ele autoriza a restrição do acesso de veículos em vias da cidade, por um ano, aos finais de semana e feriados. Basta uma solicitação de 75% dos moradores locais e a certificação de que a rua não está na rota de transporte coletivo, que a autorização é dada. Não há custos para o poder público, ele apenas cria condições para que a própria comunidade se organize. As ruas são utilizadas para jogar bola, pular corda, andar de bicicleta ou simplesmente para colocar cadeiras, conversar com os vizinhos e observar as crianças brincarem livremente.

 

Comitê das Crianças

 

É um órgão consultivo composto por 28 crianças (14 meninas e 14 meninos) de nove anos a onze anos de idade de todas as regiões do Município, criado para dar voz às crianças nas discussões de políticas públicas voltadas à infância. Indicadas por meio de sorteio, elas se reúnem para tratar de ideias, propostas e demandas para que Jundiaí se torne cada vez mais uma ‘Cidade das Crianças’. Os encontros são mensais e contam com a presença do prefeito no primeiro e último encontros do ano, quando ele toma conhecimento das deliberações feitas pelo grupo e se compromete a atender algumas delas.

Políticas públicas para a primeira infância reconquistar espaços urbanos
O Comitê pretende dar voz às crianças nas discussões de políticas públicas voltadas à infância

Atualmente, um grupo de servidores trabalha intensamente para concluir o pedido do ano passado: “Construir um parque público gratuito bem grande com brinquedos (inclusive aquáticos) para crianças de todas as idades”.

Enquanto houver crianças que sonhem com espaços urbanos de qualidade, haverá esperança de cidades cada vez melhores.

Políticas públicas para a primeira infância reconquistar espaços urbanos

Sylvia Angelini é arquiteta e urbanista, com graduação e mestrado pela USP. Servidora pública na Prefeitura de Jundiaí desde 2004. Diretora de Urbanismo desde 2017 e líder MLG pelo Master em Liderança e Gestão Pública. Finalista no 2° Prêmio de Liderança Pública com a Política Pública da Criança na Cidade (2019).

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