Pessoa idosa no setor público: diversidade e inclusão
18/11/2022
Gestão Pública.

Pessoa idosa no setor público: diversidade e inclusão

Quando nos voltamos para o mercado de trabalho e aqui destacamos, especialmente a administração pública, ainda constatamos muitos estigmas relacionados à pessoa idosa no setor público: envelhecer é algo negativo, conecta-se com improdutividade, desatualização, desconhecimento. 

Poucas são as pessoas que realmente valorizam a bagagem, o repertório construído ao longo dos anos pelos profissionais 60+. A discriminação é evidente. Tal desvalorização impacta negativamente no clima organizacional e especialmente, nos resultados alcançados pelas organizações, pois as experiências vividas e resiliências adquiridas pelas pessoas idosas poderiam impactar significativamente na forma de atuação das novas gerações.


O envelhecimento populacional no Brasil 

É fato! Em julho deste ano, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) atestou que, em apenas 9 anos, o número de idosos residentes no Brasil aumentou quase 40%. A pesquisa ainda apontou, que pessoas com 60 anos ou mais (60+) representavam 14,7% da população brasileira em 2021.

Por outro lado, o IBGE também constatou uma diminuição quanto a população mais jovem. Em 2021, 43,9% da população brasileira tinham menos de 30 anos, enquanto, em 2012 essa faixa da população representava 49,9% da população residente no país. A pesquisa divulgada atesta um fato já vislumbrado por vários países pelo mundo, ao longo das últimas décadas: o envelhecimento populacional acentuado.

É importante ressaltar: a referida pesquisa não incorporou os efeitos da pandemia da Covid-19, entretanto, o instituto registrou que tal incorporação não deve alterar a tendência do envelhecimento populacional, fenômeno mundial.

Outro levantamento importante refere-se ao realizado pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), em parceria com a Offer Wise Pesquisas, em 2021, em todas as capitais do Brasil, que comprovou: 91% dos brasileiros 60+ contribuem financeiramente para o sustento da casa, sendo que 52% são os principais responsáveis pelo sustento da família. 

Tal situação é refletida no setor público: muitos de nossos colegas com idade para aposentar tendem a estender suas atividades até o último limite legal possível, tendo em vista a necessidade de sustentar seus lares, uma vez que, sua renda é a única garantida em suas famílias. Perder benefícios como ajuda de custo, vale alimentação, vale transporte, cargos comissionados e funções gratificadas impactaria negativamente no cotidiano não só do próprio servidor público, mas como na vida de seus familiares.

Além da questão da necessidade financeira, devemos considerar também outra realidade notória: o aumento da expectativa de vida dos brasileiros devido ao avanço da medicina e a mudança de atitudes das pessoas nessa fase da vida, que buscam mais qualidade de vida, bem-estar e saúde mental, faz com que muitas vezes, os profissionais 60+ se mantenham ativos no mercado de trabalho. 

Nesse contexto, é importante frisar que outras pesquisas realizadas ao longo dos últimos anos no Brasil apontam a tendência para termos na década de 2030, mais cidadãos acima dos 60 do que crianças e adolescentes.

De acordo com a Universidade de São Paulo (USP), até 2030 o Brasil terá a quinta população mais idosa do mundo!


Como valorizar a pessoa idosa no setor público?

Tais dados por si só já demandariam uma mudança urgente na visão e postura dos brasileiros quanto às pessoas idosas, mas no país é visível a percepção da sociedade de não valorização e não reconhecimento da significativa importância daqueles que tiveram a felicidade de construir uma longa jornada de vida.  

Para trazer à luz reflexões necessárias quanto à realidade da pessoa idosa no setor público, por ser uma demanda real no cotidiano das organizações públicas, entrevistamos Mauro Wainstock, profissional reconhecido nacionalmente como especialista em questões relacionadas à diversidade etária, etarismo e longevidade. 

Qual é a realidade brasileira quanto à cultura organizacional nas empresas/instituições públicas e os profissionais 50+, 60+,70+?

Mauro Wainstock: “Diariamente converso com executivos de RHs de empresas de grande porte, inclusive multinacionais, e a minha sensação é a de que eles ainda se sentem inseguros em relação a este tema. Consideram tão relevante quanto as outras diversidades, mas ainda não a priorizam, talvez por ela ainda não ter conquistado a mesma projeção do que as demais, já que outras causas, todas igualmente pertinentes e legítimas, têm atuado há muito mais tempo. Um diretor de uma das principais empresas globais de tecnologia me confidenciou: “Antes de criar mais um pilar, preciso avançar mais nos demais”. No entanto, é justamente a diversidade etária que abraça as outras. Todos, independente do gênero, da raça, da deficiência ou se pertencem ao grupo LGBTQIA+, querem ter uma longevidade.”

A sua percepção no setor público de uma supervalorização dos jovens profissionais em detrimento dos servidores mais experientes

Mauro Wainstock: “Infelizmente, o etarismo é um fenômeno mundial. O relatório “Global Report on Ageism”, produzido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), alertou que metade da população mundial já sofreu atitudes discriminatórias devido à idade. São bilhões de pessoas. Inacreditável!

Particularmente no ambiente de trabalho, esta discriminação é vivenciada por mais de 55% dos profissionais no mundo, de acordo com recente estudo do portal DiversityInc.

No Brasil, o portal Infojobs constatou através de pesquisa que 40% dos profissionais já sofreram preconceito devido à idade.

O Brasil sofre com a falta de empregos formais e, também, com o etarismo. Se o profissional 50+ pode liderar as principais empresas brasileiras e pertencer inclusive ao Conselho delas, por que não pode exercer um cargo em outras hierarquias dentro da própria organização? Por isso, muitos deles estão optando pelo empreendedorismo, alternativa que propicia aplicar seu conhecimento e sua experiência em trabalhos de consultorias, mentorias e docência, por exemplo. De forma paralela, vem crescendo a participação desta faixa etária na abertura de negócios próprios. Hoje, 49% dos empreendedores brasileiros têm mais de 50 anos”.

Como contribuir para a gestão/convivência de equipes intergeracionais nas organizações?

Mauro Wainstock: “A riqueza resultante da genuína integração entre as gerações encurta caminhos, multiplica aprendizados, economiza tempo e dinheiro. As empresas devem estar preparadas para incluir profissionais de todas as diversidades. Estudos demonstram que a soma de vivências e perfis variados amplia a produtividade, estimula um clima organizacional positivo, potencializa o surgimento de profícuas soluções, qualifica os debates, contribui para a evolução de cada profissional envolvido e, consequentemente, incrementa os lucros.

Por outro lado, elas precisam responder com sinceridade como pretendem ser percebidas daqui a alguns anos, seja pelos seus colaboradores ou clientes. Cada vez mais o mercado prioriza empresas conectadas de forma real com o ESG e o S, o social, ainda é um dos principais desafios. Mesa de ping-pong, sala de descanso e outras iniciativas deste tipo cederam lugar à humanização, ao propósito e ao equilíbrio, tudo isto interligado a um ambiente harmônico de convivência e respeito”.

Qual é o papel das lideranças quanto à atração, ambientação, motivação e permanência produtiva dos profissionais 50+, 60+, 70+ nas organizações?

Mauro Wainstock: “A liderança precisa dar o exemplo e promover um ambiente acolhedor. No ambiente corporativo, os 50+ trazem maturidade, respeito, forte networking, são menos propensos a trocarem de emprego e possibilitam que haja uma valiosa troca de conhecimentos e experiência entre as gerações. A adequada integração deste segmento etário no mercado de trabalho, inclusive no ecossistema startupeiro e inovador, é um caminho natural e irreversível, ainda mais se considerarmos as qualificações técnicas deste grupo etário, o relacionamento construído em vários anos de carreira e as vivências práticas acumuladas ao longo da vida profissional, além de suas notórias soft skills.

Qual é o custo de abrir mão da experiência? Quanto vale o aprendizado daqueles que vivenciaram, na prática, várias crises econômicas? Quanto vale o conhecimento daqueles que já cometeram vários erros em suas carreiras; erros estes que, na época, serviram de aprendizado prático e que, provavelmente, não vão mais se repetir? Estes diferenciais, que não são transmitidos em cursos, mas sim adquiridos ao longo dos anos, são cada vez mais valorizados”.


Gestão de equipes intergeracionais no setor público

Quando me propus trazer a temática para a reflexão em organizações públicas, minha motivação veio da observação de vários ambientes profissionais, ao longo de uma carreira de mais de 20 anos, onde vi por diversas vezes, atitudes e ações demonstrando desvalorização e discriminação quanto à experiência e o conhecimento de pessoas idosas, servidores concursados ou não.

Tal conduta tem acarretado um ambiente hostil às pessoas mais maduras e experientes, mas acima de tudo, prejuízo às próprias organizações, pois é comprovado que a diversidade agrega valor, produtividade e diferencial aos trabalhos e resultados, pois minimiza riscos, agiliza processos ainda possibilitando a oportunidade de uma visão única.

Ao entrevistar um profissional, que tem atuado próximo à realidades de grandes empresas nacionais quanto à diversidade etária, espero ter contribuindo para um repensar de lideranças e gestores públicos sobre a convivência intergeracional, como uma das iniciativas mais simples e necessárias, que poderá contribuir para o cotidiano das organizações públicas, ao propiciar múltiplas expressões impactando em ambientes de trabalho ricos em referências, experiências de vida e ideias diferentes. 

Criado para explorar o tema da diversidade e inclusão, incluindo a valorização da pessoa idosa no setor público, o Guia de Diversidade do CLP é uma ferramenta que congrega dados, referências e ações práticas a fim de auxiliar gestores públicos a inserirem o tema no seu dia a dia.

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Camila Campos Cruz é Mestre em Administração Pública e Gestora Governamental

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