O que falta para destravar o relacionamento digital do cidadão com as prefeituras?

Implementar projetos de inovação no setor público é como podar mato alto. Costumo fazer essa analogia devido à alta demanda por tecnologia em vários setores da economia. A expectativa não é diferente na esfera pública. As corporações e pessoas não só precisam, mas desejam interagir digitalmente com os governos. 

Em Itajaí, Santa Catarina, é possível obter alvarás de funcionamento em 24 horas, inclusive para médio e alto risco. Em Florianópolis, o engenheiro ou arquiteto tem o alvará declaratório, que pode ser emitido na hora. O mais rápido demorou cinco minutos para ser solicitado, analisado e liberado pela plataforma de atendimento digital.

O tempo de abertura de empresas ou de emissão de um alvará simboliza o grau de burocracia existente nos municípios ou de que forma esse mato alto vem sendo “podado” por gestores públicos que, cada vez mais, têm colhido resultados do efeito cascata da transformação digital no progresso das cidades.

No Paraná, o atendimento digital impulsionou os indicadores municipais da cidade de Cascavel. Segundo o Caged, o número de empregos aumentou mais de 800%, entre 2021 e 2017, o último ano de atendimento físico. Só na área da construção, a oferta de trabalho quase dobrou no mesmo período. Na cidade, os alvarás digitais para construção são o formato mais requisitado há, pelo menos, cinco anos.

Esses e outros resultados que tenho comemorado pelo Brasil são conquistas de um grupo visionário de gestores que enxergam o Governo como Serviço e a tecnologia como o futuro da gestão pública. E, com base nessa premissa, estão modernizando o trabalho nas prefeituras, garantindo resultados inéditos e deixando um novo legado para a população.  

Apesar de ser um cenário promissor, ainda encontro prefeitura operando tecnologias das décadas de 80 ou 90. Essa margem entre a oferta das govtechs e a demanda do setor público é onde a transformação digital opera e traz impactos profundamente positivos para servidores e cidadãos.

O município de Patos de Minas economizou cerca de R$ 13 milhões em apenas três meses de atendimento da primeira prefeitura 100% digital do Brasil. O próximo passo é automatizar boa parte dos serviços, liberando o servidor para atividades complexas e que provocam impacto muito maior do que checar a entrada e saída de papel.

Além da Aprova Digital, govtech que fundei em 2017, outras 80 govtechs vendendo para o setor público de forma recorrente. Mas segundo relatório do hub de inovação BrazilLab, em parceria com o CAF (Banco de Desenvolvimento da América Latina), mais de 1.500 startups têm potencial de oferecer suas soluções para o governo brasileiro. 

O governo é considerado o maior consumidor de software do mundo. Estamos falando de uma indústria que deve atingir um valuation de um trilhão de dólares até 2025, de acordo com o GovTech UK Market Report, abaixo apenas do gigante B2C (Business to Consumer). Essa é uma grande oportunidade para as govtechs da América Latina.

A pandemia da Covid-19 reconfigurou essa perspectiva, aumentando o volume de tecnologia em todas as esferas, incluindo a pública, primeiro ponto de conexão com o cidadão. 

Ainda em Minas Gerais, a construção civil foi um pilar decisivo na geração de empregos durante a pandemia. A Prefeitura de Varginha digitalizou os alvarás para reduzir o prazo de liberação das obras. Com isso, o tempo para primeira análise de um projeto passou de 40 para apenas um dia, tudo online e sem papel. 

Já sabendo o quanto é possível simplificar e facilitar a vida, está cada vez mais evidente na pauta do cidadão brasileiro o desejo de explorar as inovações no setor público.

Nessa missão ainda cabe às govtechs derrubar algumas barreiras culturais e batalhar por um ambiente jurídico cada vez mais seguro e favorável para promover a inovação em larga escala. Eventualmente a oferta vai encontrar essa demanda, até lá seguimos desbravando esse mato alto.