
Esse conteúdo faz parte do Blog do CLP. Esse é um espaço onde as lideranças formadas pelos cursos do CLP compartilham boas práticas, aprendizados e soluções que, nesse caso, foram criadas ou otimizadas através da participação no Master em Liderança e Gestão Pública.
No texto, o líder Fúlvio Albertoni fala sobre o estado de calamidade decretado após o avanço do novo coronavírus. Entenda quais são os efeitos desse decreto na gestão publica e o que pode mudar aos municípios em ano eleitoral:
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Quando o prefeito de Juiz de Fora decretou estado de calamidade pública, no início de abril, em razão da pandemia do coronavírus (covid-19), os primeiros comentários nas redes sociais foram de que a prefeitura arrumou uma forma de comprar sem licitação e com preços superfaturados. O que mais me chamou a atenção é que isto se tornou um “mantra” para atacar todos os chefes de Poder Executivo Municipal que ousassem decretar estado de calamidade.
Na verdade, a decretação de calamidade permite, de fato, dispensar a licitação para os bens, obras e serviços necessários ao atendimento da situação calamitosa, conforme art. 24, IV da Lei n.º 8.666/1993. Porém, este mesmo artigo da lei prevê mais 34 possibilidades de dispensa de licitação, que são usadas cotidianamente pelas administrações públicas. Então, seria este o principal motivo para se declarar o estado de calamidade em um município?
Com certeza, no momento em que vivemos, onde uma caixa com 50 máscaras cirúrgicas, que antes da pandemia era comercializada por menos de R$ 5 e depois chegou a ser vendida por mais de R$ 150, não há outra forma de comprar com agilidade para atender as demandas dos profissionais de saúde e a população, senão de forma direta, sem licitação. Além de outras inúmeras aquisições que deverão ser efetuadas da mesma maneira, com as devidas justificativas e correta instrução do processo administrativo. Mas, nem por isto é o principal motivo, muito menos o único, como muitos colocam, para a decretação da calamidade pública, pois a própria Lei Federal nº 13.979/2020, no seu art. 4º já prevê a dispensa de licitação para o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.
Os aspectos da calamidade pública
Então, por que decretar o estado de calamidade pública? Primeiramente, devemos entender quando ocorre o estado de calamidade, que é quando acontece algum desastre, natural ou não, causando danos graves à sociedade e comprometendo a capacidade de resposta do poder público. Para isto, é necessário que dos três danos – humanos, materiais ou ambientais – pelo menos existam dois. No caso da covid-19, seriam os danos humanos (saúde e vida das pessoas) e materiais (prejuízos econômicos). Logo, vivemos de fato um momento de calamidade pública.
Os efeitos do estado de calamidade na gestão pública
Confirmado o estado de calamidade pública, resta a sua decretação e o que isto impacta na gestão pública. Isto significa a aplicação imediata do art. 65 da Lei Complementar n.º 101/2000 – LRF – que no seu inciso I suspende os prazos de ajustes das despesas com pessoal e da dívida consolidada, que serve para que não ocorra, quando do extrapolamento dos índices de pessoal e endividamento, as seguintes proibições: do ente receber transferências voluntárias, de obter concessão de garantias de outros entes para financiamentos, e de contratar operações de crédito. As aplicações destas proibições seriam prejudiciais para o aumento da capacidade de resposta financeira de um município que precisa efetuar ações de enfrentamento da covid-19.
No inciso II fica definido que serão dispensados o atingimento dos resultados fiscais, que são as metas anuais, contidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias, relativas a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública para o exercício, e a limitação de empenho prevista no art. 9º. Estas medidas têm a função de, mesmo não ocorrendo as receitas previstas, não haverá contingenciamento das despesas, principalmente aquelas prioritárias para o enfrentamento da pandemia, ou seja, se a despesa for necessária poderá ser efetuada mesmo sem o respectivo lastro na receita.
O caso específico dos municípios em ano eleitoral
Outro fator importante para os municípios declararem estado de calamidade pública é que, por ocorrer neste ano eleições municipais, existem vedações contidas na Lei n.º 9.504/1997 – Lei Eleitoral – que podem prejudicar ações efetivas de combate ao coronavírus, como a suspensão da aplicação de multas e juros por atraso no pagamento de tributos municipais, a distribuição de gêneros alimentícios para famílias carentes, de equipamentos de segurança para comunidades e a locação de imóveis para isolamento social.
Isto porque no art. 73, § 10 está determinado que, no ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública, para evitar o uso da máquina pública de forma eleitoreira, criando um desequilíbrio na disputa eleitoral. Porém, uma das exceções é em caso de calamidade pública, onde o interesse de garantir o cuidado e a segurança da população fica acima das eleições.
É claro que todas as ações excepcionalizadas pelo decreto tem que estar devidamente instruídas e documentadas, cabendo a sua publicitação com total transparência para a sociedade e órgãos de controle, para que de fato as medidas adotadas sejam exclusivamente visando o interesse público e o respeito com o dinheiro público. A decretação do estado de calamidade pública não pode ser vista, apenas, como um mecanismo para comprar sem licitação, como muitos, sem o devido conhecimento, propagam de forma irresponsável nas redes sociais. Neste momento de grave crise que todos nós vivenciamos, a importância da decretação, vai muito além disso: é a garantia de se enfrentar a pandemia de forma mais ágil e efetiva.
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Fúlvio Albertoni é servidor público efetivo da Prefeitura de Juiz de Fora desde 1992, onde ocupa desde 2013 o cargo de Secretário da Fazenda. Graduado em Processamento de Dados pelo Centro de Ensino Superior (CES), especialista em Administração Pública (Faculdade Machado Sobrinho) e em Planejamento e Uso do Solo Urbano (Ippur/UFRJ), com Mestrado em Políticas Sociais e Gestão Pública (UFJF) e Master em Liderança e Gestão Pública (CLP/Harvard).