14/04/2023
Notas técnicas.

Nota Técnica: O novo arcabouço fiscal do governo

Sobre o novo arcabouço fiscal

Introdução
O governo atual apresentou no dia 30 de março sua proposta para um novo arcabouço fiscal, após meses de discussões e anos de tensão relacionada ao teto de gastos. A experiência com a regra fiscal anterior trouxe benefícios, especialmente a redução dos juros impostos aos títulos públicos devido à sua credibilidade em relação à necessidade de estabilidade da dívida pública. Adicionalmente, a regra também fez com que se mostrasse mais urgente a aprovação reforma da previdência, promulgada em 2019, e com que houvesse maior controle na folha de pagamentos do setor público, considerada elevada em relação a países em nível semelhante de desenvolvimento, e em constante crescimento, em contraposição com o setor privado, onde os salários têm apresentado uma tendência muito mais moderada.

O teto de gastos substituiu temporariamente com sucesso o arcabouço fiscal anterior, que havia se esgotado devido à incapacidade da Lei de Responsabilidade Fiscal de manter a dívida pública estabilizada no longo prazo. No entanto, o teto se mostrou excessivamente rígido, levando a diversas disfuncionalidades no Governo Federal. A rigidez imposta pela regra ainda vigente, argumenta-se, tem forçado o setor público a limitar severamente suas políticas públicas, impactando principalmente os investimentos.

Diante deste cenário, a necessidade de uma revisão tornou-se evidente, a fim de proporcionar maior flexibilidade para a implementação de políticas públicas e investimentos estratégicos, sem comprometer a responsabilidade fiscal e a sustentabilidade das contas públicas. O novo arcabouço proposto, segundo o Governo atual, busca equilibrar a rigidez necessária para manter a disciplina fiscal com a flexibilidade para responder às necessidades emergentes e promover um crescimento sustentável.

Neste contexto, a nova regra fiscal pretende equilibrar a flexibilidade e a previsibilidade do equilíbrio fiscal ao longo do tempo, permitindo manter o controle das despesas públicas, ao mesmo tempo em que introduz mecanismos que protegem os investimentos e as políticas contracíclicas necessárias para enfrentar os desafios socioeconômicos do país. Na próxima seção, serão discutidas as principais características da nova regra fiscal e como ela busca atender às necessidades de flexibilidade, previsibilidade e sustentabilidade do crescimento.

Além disso, o governo também está buscando proteger os investimentos públicos das necessidades de equilíbrio fiscal, reconhecendo sua importância tanto para a política contracíclica quanto para o crescimento sustentável. Ao abordar questões de flexibilidade e previsibilidade no contexto da nova regra fiscal, espera-se que o setor público seja capaz de lidar efetivamente com os desafios emergentes e promover um ambiente econômico mais estável e próspero. No entanto, é fundamental analisar criticamente as políticas propostas para garantir que elas sejam realmente eficientes e benéficas para o país como um todo.

O governo atual, apesar de seus méritos, também tem a intenção de ampliar o orçamento do programa Bolsa Família, mas mantendo seu atual desenho problemático; aumentar o salário mínimo, o que pode não ser a política mais eficiente; e aumentar a parcela de isentos do imposto de renda, o que não melhorará a justiça do sistema tributário e tornará o governo mais dependente de impostos sobre consumo e trabalho, os quais são menos benéficos para os objetivos sociais e econômicos.

O Teto de Gastos (2017-2022)

Estabelecido por uma emenda constitucional no final de 2016, o teto de gastos federais é uma das três regras fiscais que o governo atualmente precisa seguir, juntamente com a meta de resultado primário (déficit ou superávit), introduzida pela Lei de Responsabilidade Fiscal, e a regra de ouro, instituída pelo Artigo 167 da Constituição e que exige que o governo solicite autorização do Congresso em certos casos para emitir títulos públicos. Como âncora fiscal, o teto de gastos visa evitar a falta de controle sobre as finanças públicas, ganhando impulso após a crise brasileira em 2015 e 2016, em que houve forte crescimento da dívida pública, sem perspectiva, naquele período, de estabilização.

No Brasil, o teto de gastos estabelece um limite de crescimento para os gastos do governo federal ao longo de um período de 20 anos, de 2017 a 2036. O gasto total da União em 2016 era ajustado anualmente pela taxa oficial de inflação, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), durante a primeira década (2017-2026). No final de 2021, a fórmula de cálculo foi modificada. Anteriormente, o teto era ajustado pelo IPCA acumulado de julho de dois anos antes a junho do ano anterior. Uma nova emenda constitucional alterou o período de cálculo, passando a considerar o IPCA efetivo para os seis primeiros meses e a estimativa oficial do IPCA para os seis meses finais, a fim de ajustar o teto para o ano subsequente.

O teto de gastos tem diversos benefícios, mas também diversos problemas se apresentaram ao longo do tempo. Abaixo são listados os prós e contras destes.

Prós:

Contras:

O trade-off entre flexibilidade e previsibilidade na política fiscal é um tema central na literatura. Enquanto se argumenta que regras fiscais devem ser projetadas com cláusulas de escape ou elementos contracíclicos para permitir flexibilidade em tempos de estresse econômico, um arcabouço excessivamente flexível pode minar a credibilidade da regra, tornando-a menos eficaz na promoção da disciplina fiscal e na estabilização da dívida pública no médio prazo. Encontrar o equilíbrio certo entre flexibilidade e previsibilidade é essencial para garantir que as regras fiscais sejam eficazes e adaptáveis às mudanças nas condições econômicas.

O novo arcabouço fiscal

A proposta do governo inclui um novo teto de gastos, que apresenta uma banda com crescimento real nos gastos primários entre 0,6% e 2,5% ao ano (mecanismo contracíclico), excluindo o FUNDEB e o piso da enfermagem dos limites (regras constitucionais já existentes). Adicionalmente, o crescimento anual, dentro da faixa de crescimento, é limitado a 70% da variação da receita primária nos 12 meses anteriores.

Finalmente, o Governo propõe novas metas de resultado primário, com uma banda de 0,25 pontos percentuais do PIB a mais e a menos entre os limites inferior e superior. As metas propõem um cenário de grande avanço em relação à expectativa do mercado. 

Fonte: Governo Federal

Segundo o governo, uma receita primária acima do teto da banda permite o uso do excedente para investimentos. Por outro lado, se os esforços do governo para aumentar as receitas e reduzir as despesas forem insuficientes e resultarem em um primário abaixo da banda, isso forçará uma redução no crescimento dos gastos para 50% do crescimento da receita no exercício seguinte.

Vale mencionar que, para a realização das metas propostas, o Governo admite que seria necessário um forte aumento de receita pública. O Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, declarou que submeteria ao Congresso Nacional novas medidas de saneamento com o objetivo de alcançar até R$ 150 bilhões em novas receitas, a partir da revisão de determinados benefícios fiscais. Apesar de que tais medidas podem ser fortemente positivas em termos de eficiência e justiça tributária, elas deveriam ser compensadas por reduções lineares de outros impostos, de modo a não acarretar em aumento da carga tributária. O Brasil, entre economias semelhantes, se encontra em oitavo lugar, dentre 28 países, com uma carga média de 33% do PIB, acima do Equador, Colômbia, Peru, Turquia, por exemplo. E abaixo da Ucrânia, Bielorrússia, Sérvia, entre outros. Adicionalmente, segundo a literatura empírica de economia, um aumento de 1 ponto percentual do PIB em impostos começaria reduzindo o PIB per Capita em 0,5% no curto prazo, chegando a eventualmente 2%.

Por fim, o governo busca proteger os investimentos públicos das necessidades de equilíbrio fiscal, em virtude de sua importância no papel da política contracíclica e no crescimento sustentável. Ao assegurar que os investimentos públicos não sejam prejudicados pelas restrições fiscais, o governo reconhece a necessidade de manter investimentos em infraestrutura, educação e outras áreas fundamentais para impulsionar o desenvolvimento econômico e social do país. Esta abordagem visa garantir um crescimento sustentável e resiliente. Assim, o governo procura equilibrar a responsabilidade fiscal com as demandas por políticas que estimulem a atividade econômica e promovam o bem-estar da população a longo prazo.

É importante mencionar, no entanto, que investimentos não necessariamente precisam ser integralmente financiados pelos cofres públicos para serem eficazes e socialmente justos. O novo marco das ferrovias, a nova lei do gás e o marco do saneamento básico são exemplos de regulações que permitem a inserção do setor privado de forma positiva para os setores de transporte ferroviário, energia e saneamento.

Planejamento de gastos

Finalmente, o Governo listou quatro políticas para as quais pretende aumentar o orçamento nos próximos anos. No entanto, além da elevação dos recursos de saúde, que se faz extremamente necessária nos tempos atuais, alguns gastos poderiam ser melhor aplicados, com mais eficiência. Listam se abaixo as principais considerações.

O Governo planeja aumentar o benefício médio de R$ 607 mensais atualmente para R$ 703, manter mais de 21 milhões de famílias atendidas aumentando da faixa de renda familiar per capita elegível de R$ 200 para R$ 218 mensais, expandir o benefício de primeira infância para crianças de 7 anos e, finalmente, criar um benefício de R$ 50 por criança entre 8 e 18 anos.

Os benefícios para crianças são benéficos para o desenvolvimento de longo prazo do país, além de tender a se focalizar mais em famílias de menor renda. Além disso, são medidas de baixo custo, a primeira chegando a R$ 2 bilhões anuais, enquanto a segunda chega a R$ 7 bilhões. A soma das duas, portanto, não chegaria a 0,1% do PIB.

No entanto, o benefício básico, como já argumentado, tem eficiência e efetividade significativamente reduzida, especialmente em relação ao desenho anterior do Bolsa Família. O valor do programa deve ser fortemente dependente do número de membros da família. Um melhor desenho se coloca com um menor valor básico, com complementação de superação de pobreza extrema (per capita). Exercícios de simulação mostra que o Bolsa Família, com seu desenho anterior e orçamento do Auxílio Brasil, seria capaz de reduzir pobreza mais do que o programa com o atual desenho e orçamento, este último consideravelmente maior.

O Governo planeja que o salário mínimo seja elevado de R$ 1.302 para R$ 1.320. Adicionalmente, é planejada a volta da política de valorização real, que seu valor deve crescer acima da inflação, ao contrário dos últimos 6 anos.

Aumentar o Salário Mínimo acima da inflação não necessariamente é ruim para o país em termos de mercado de trabalho, mas traz consequências por vezes indesejadas, a depender do aumento e do setor. Parte do aumento acaba repassado para os preços (principalmente no setor de serviços) e outra tende a reduzir os níveis de emprego (especialmente na indústria). Trabalhos mais recentes na área tendem a mostrar mais ganhos para trabalhadores, no entanto, principalmente quando as elevações acompanham ganhos de produtividade.

No entanto, no Brasil, o salário mínimo também acaba sendo um indexador de diversos gastos públicos, especialmente o piso previdenciário, que corresponde a mais da metade dos benefícios do INSS e BPC. Desse modo, os aumentos reais acabam também se tornando fonte forte de gasto público, que acaba por dificultar o cumprimento das metas de resultado primário e/ou disputar espaço no orçamento para outros programas mais eficazes e socialmente justos, como o próprio Bolsa Família e investimentos públicos.

O presidente Lula, ainda em sua campanha, prometia aumentar a isenção do Imposto de Renda para R$ 5000. Nesse ano, a proposta foi de elevação para 2 salários mínimos. No entanto, como já argumentado pelo CLP, o Brasil, ainda, é um dos países com mais baixo percentual de receita tributária advinda de impostos diretos, e tal política coloca o país ainda mais distante dos países mais desenvolvidos. O Imposto de Renda deveria ter maior base tributária, cobrindo a maior parte da população, com alíquotas baixas para os extratos sociais de menores rendimentos, mas compensando com menores impostos sobre consumo e trabalho.

Por Daniel Duque, gerente de Inteligência Técnica do CLP

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