16/11/2022
Notas técnicas.

Nota técnica: A pobreza no Brasil e como combatê-la a partir de 2023

Introdução

Nessa semana, o Banco Mundial atualizou os dados referentes à população brasileira abaixo da linha de pobreza para o ano de 2020. Com tal atualização, foi registrada redução de 7,23 milhões de pessoas, de 11,37 para 4,14 milhões.

Tal notícia, desta segunda feira, 07/11/22, têm sido amplamente compartilhada nas redes sociais de diversos articuladores políticos. No entanto, tal divulgação destes dados, que ocorre regularmente pelo Banco Mundial, não incluiu ainda os resultados do ano de 2021, que já estão disponíveis pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, do IBGE. Apesar de alguns ajustes realizados pelo Banco ainda não replicáveis¹, é possível avaliar a tendência do nível de pobreza do país até o último trimestre do ano passado.

O Gráfico abaixo mostra a proporção da população abaixo de três linhas de pobreza desde 2018. As linhas, referentes a cálculos do próprio Banco Mundial, correspondem a níveis de consumo diário por pessoa em dólares, ajustados por paridade de poder de compra. Em reais, a preços de junho de 2022, tais valores corresponderiam, respectivamente, a R$ 185, R$ 312 e R$ 537 mensais. As linhas pontilhadas denotam a média anual de 2019.

Fonte: Cálculos Próprios a partir de dados da PNADC (IBGE)
Obs: Rendimentos ajustados pelo Deflator Estadual, disponibilizado pelo IBGE

Como se vê, apesar de observada uma redução dos níveis de pobreza e, 2020 – confirmando os dados do Banco Mundial –, no ano seguinte, tal tendência é fortemente revertida, fazendo com que o número de brasileiros considerados pobres ou extremamente pobres tenha terminado o ano de 2021 acima daqueles registrados mesmo antes do início da pandemia. 

Esse aumento se deve ao fato de que, no ano passado, os rendimentos do trabalho da dos mais vulnerável caíram mais do que o maior nível de transferências sociais em relação a 2019. Subdividindo a população por quatro estratos de renda, é possível ver expressamente tal fenômeno, tal como mostra o Gráfico abaixo.

Fonte: Elaboração Própria com dados da PNADC (IBGE).
Obs: Rendimentos mensalizados e deflacionados a níveis de preços do segundo trimestre de 2022 pelo Deflator Estadual do IBGE.

Como combater a pobreza em 2023?

Ainda que o mercado de trabalho, no Brasil, tenha mostrado significativa melhora a partir deste ano, no médio prazo, o cenário tende a ser menos favorável. O aumento dos juros, pelo Banco Central, já desacelerou o cenário de emprego e salários nos últimos meses, segundo o Boletim Macro, do FGV/Ibre². Em um horizonte mais longo, os adventos da introdução de novas tecnologias de automatização e inteligência artificial tendem também a limitar a possibilidade de inserção no mercado de trabalho de adultos de menor escolaridade e habilidades necessárias para tal transição tecnológica. Segundo Ottoni e coautores³, quase 60% dos empregos brasileiros podem desaparecer nos próximos 10 a 20 anos devido à automação, principalmente no setor informal, que emprega a maior parte das famílias vulneráveis.

Em 2021, o Governo Federal aprovou o Auxílio Brasil, programa similar ao Bolsa Família, com objetivo de combater a pobreza extrema. Seu desenho e orçamento mudaram significativamente quando, em novembro daquele ano, foi aprovado a PEC que limita o pagamento de precatórios, permitindo um 

aumento do benefício básico do programa para R$ 400 mensais por família. Em 2022, foi aprovada nova mudança, com aumento deste benefício para R$ 600 – aumentando consideravelmente seu custo em cerca de R$ 50 bilhões anuais. 

Tais mudanças, no entanto, pioram significativamente a eficiência e efetividade do programa. Isso se deve não ao nível do gasto, mas o fato de que seu benefício básico (pago a todas as famílias com mesmo valor) se sobrepõe aos benefícios variáveis, relativos ao número de pessoas no domicílio, especialmente crianças e adolescentes. Apesar de o CLP defender um benefício de caráter mais universalista (ligado a famílias com menores de idade, principalmente na primeira infância), um melhor desenho se coloca com um menor valor básico, com complementação de superação de pobreza extrema (per capita) e benefício variável aplicado a crianças, tal como ocorria no Bolsa Família e no primeiro formato do Auxílio Brasil.

Outro problema a ser superado é relativo ao fato de que, por não ser constitucional, tais programas sociais muitas vezes não tiveram reajustes pela inflação, reduzindo seu valor orçamentário real. No entanto, se o objetivo do programa é evitar que famílias tenham consumo abaixo de um mínimo, aumentos de preços deveriam ser considerados. 

Tal reajuste regular poderia ser pela inflação, no entanto, como o interesse é impedir um consumo alimentar abaixo do mínimo, o ideal passaria por reajustar os benefícios pelo aumento médio do preço dos alimentados consumidos em casa. De 1994 a 2006, isso teria significado reajustes significativamente menores, pois os preços dos alimentos se reduziram relativamente nesse período. No entanto, a partir de 2007 e, especialmente a partir de 2021, os alimentos têm aumentado fortemente seus preços, acima da inflação geral (estando atualmente 20% do nível geral de preços em relação a dezembro de 1994).

Diferença do Aumento Acumulado de Preços dos Alimentos e Bebidas x Inflação Geral (INPC)

Fonte: Elaboração Própria com dados do IBGE

Conclusão

Como se vê, a pobreza no Brasil, apesar de melhor em 2020, devido ao Auxílio Emergencial, registrou reversão no ano seguinte, registrando níveis acima do período anterior à pandemia. Em 2022, o Auxílio Brasil aumentou seu orçamento significativamente em relação ao Bolsa Família, a custo, no entanto, de sua eficiência. 

Apesar da melhora atual do mercado de trabalho registrada nos últimos meses, tal tendência já têm se desacelerado significativamente devido ao aumento dos juros do Banco Central. Ainda, no longo prazo, os processos de automatização da produção de bens e serviços experienciada pelo mundo tende a ameaçar quase 60% dos empregos do país, especialmente no setor informal, fazendo com que os programas sociais tenham grande relevância para o futuro do país. 

Desse modo, o CLP defende que o Auxílio Brasil tenha desenho mais universalista, associado a especialmente a crianças na primeira infância, mas com um benefício básico de menor valor. Adicionalmente, outros benefícios variáveis devem ser introduzidos, como função do tamanho e composição da família, a depender de maior ou menor necessidade destas de transferências de renda. Ainda, o programa deveria introduzir um mecanismo de reajuste regular, preferencialmente pelo aumento de preços dos alimentos. 

¹ O Banco Mundial, ao calcular a população abaixo da linha de pobreza no Brasil, estima o consumo não monetária derivado de morar em um imóvel próprio e, desse modo, não haver necessidade de pagar aluguel. Incluindo tal fonte de renda, há um menor nível de pobreza, mas sem grandes diferenças nas tendências de curto prazo.

² https://portalibre.fgv.br/publicacoes/economia-aplicada/boletim-macro/o-custo-da-desinflacao

³ https://www.scielo.br/j/neco/a/tHdrWS8KqNWZHJJq9LMPKyN

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