Lideranças no setor público: elevando a performance de servidores
29/06/2022
Liderança.

Lideranças no setor público: elevando a performance de servidores

O mais usual no setor público são os cargos comissionados de chefia serem preenchidos por indicação política. Vez ou outra, vemos também, a ocupação por servidores públicos, mas que se destacaram por apresentar um melhor desempenho em atividades operacionais. Ambas as situações são geralmente vinculadas à nenhuma análise ou avaliação criteriosa de perfil profissional para os papéis de lideranças no setor público; e o mais complexo, sem a previsão de qualquer investimento para que os indicados possam desempenhar seu novo papel da melhor forma possível, como verdadeiros líderes.

 Recentemente a Escola Conquer divulgou, após a realização do seu evento RH Week, que 8 a cada 10 funcionários pedem demissão devido aos seus chefes. Ou seja, teríamos organizações perdendo até 80% de seu pessoal, especialmente devido a atuação de chefias não preparadas para atuarem como tais. 

Tais chefias, que deveriam estar promovendo o engajamento, a motivação e dando o apoio e exemplo necessários para manter os funcionários atuando de forma alinhada ao desenvolvimento profissional de cada um, bem como, para alcance do sucesso pela organização, na prática contribuíram para o desgaste e o enfraquecimento das equipes e da instituição como um todo.

Parte da responsabilidade de tal situação deve-se ao fato conhecido, principalmente no setor público, do não investimento no desenvolvimento de lideranças. Isso demonstra que o setor público precisa avançar, e muito, nesse campo. 


A importância de boas lideranças no setor público 

Um artigo recente publicado pelo Movimento Pessoas à Frente enfatizou que a melhoria no serviço público deve começar pela preparação das lideranças. Essa organização, que tem como propósito se dedicar ao debate e a construção da melhoria do Estado a partir da gestão de pessoas atuantes no serviço público, realizou uma pesquisa em 2021, cujos resultados indicaram a percepção da sociedade sobre o funcionalismo público e a escolha das lideranças nesse âmbito.

 Tal percepção corrobora minha fala inicial: a indicação política seria a principal razão para a ocupação de cargos comissionados de chefia. Por outro lado, tal situação cria oportunidade para se investir em ações, que valorizem os servidores públicos como potenciais e futuras lideranças. 

Leia também: O que falta para uma liderança em tempos de crise?


Por que não há investimento para lideranças no setor público?

Para responder essa questão podemos indicar vários motivos:

  1. No setor público é comum não haver disponibilidade de pessoal qualificado e/ou com experiência em educação corporativa, especialmente, quando se trata da formação permanente de lideranças;
  1. Disponibilidade de orçamento e/ou tecnologias voltadas para a formação continuada dos servidores públicos, em geral, também não é usual nas organizações públicas brasileiras;
  1. Contratação de profissionais e/ou empresas especializadas tem custos muito elevados;
  1. Falta de interesse político; entre outros.

Considerando os potenciais motivos elencados acima, podemos então considerar sem futuro a formação de profissionais líderes no âmbito do setor público? A resposta para isso é: claro que não! Ainda encontramos organizações e servidores públicos, que fazem acontecer, mesmo com o mínimo ou quase nada de estrutura ou pessoal disponível. 

Nesse sentido traremos aqui, exemplos de iniciativas alinhadas à formação em serviço de profissionais no setor público, as quais têm proporcionado mudança nos patamares de atuação desses, especialmente, quanto às suas entregas, engajamento e alinhamento entre propósitos individuais e das organizações. 

Tais iniciativas podem ser tomadas como referência no desenvolvimento de servidores públicos, especialmente, quanto aqueles que ocupam ou desejam ocupar cargos de lideranças no setor público.


Mentoria para lideranças como processo de formação 

Durante minha carreira tive a oportunidade de ser mentee em um programa desenvolvido pela Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais – SEPLAG, em 2014. Em 2021, nova oportunidade! Fui selecionada para participar de um processo de coaching patrocinado pela ABRH-MG em parceria com a  ABCOP-Associação Brasileira de Coaching Ontológico Profissional.


Como funciona uma mentoria?

Na prática, como mentee e coachee, posso dizer que a mentoria (mentoring) é uma relação de compromisso entre 2 profissionais com níveis de experiência diferentes, onde o mentor contribui com o mentee ou mentorado ao compartilhar seu repertório, sua bagagem, orientando-o e aconselhando-o em prol da superação de dificuldades ou atingimento de metas. O mentor pode ser considerado um tipo de “tutor”, que irá estimular o desenvolvimento do mentorado.

E o coaching?

Já o processo de coaching é diferente da mentoria. Basicamente, o papel do coach não é aconselhar ou apresentar soluções ao coachee, mas sim propiciar um processo de autoconhecimento onde este último encontre suas próprias respostas, se empodere e aja de forma mais assertiva em prol de seus objetivos, sejam eles profissionais ou pessoais.

Resultados alcançados ao participar desses processos? Um mestrado do jeito que sempre quis, projetos inovadores implementados, mudança de patamar na carreira, clareza quanto ao meu propósito de vida.

A partir de minha experiência pessoal percebi, que trazer tais práticas para o cotidiano das organizações públicas, de forma sistematizada e continuada, poderia trazer benefícios significativos para os profissionais, especialmente, para aqueles que atuam em posições de liderança, bem como, para a organização como um todo, já que contribuiria para elevar a performance das equipes.


Programas de mentoria para lideranças no setor público

Ao buscar outras experiências exitosas e permanentes de mentoria, coaching ou similares no âmbito profissional, que pudessem servir de referência para o setor público, constatamos que grandes organizações públicas já possuem programas de mentoria, seja formal ou informalmente.

Tais programas de mentoria buscam essencialmente promover o onboarding; construir uma cultura de troca de expertise entre os líderes das organizações; acelerar o processo de desenvolvimento de potenciais líderes; reconhecer e reter talentos; desenvolver profissionais com prontidão para assumir grandes desafios públicos, aumentar a capacidade de resolução de problemas, desenvolver competências essenciais de liderança no setor público e aumentar a capacidade do Estado de oferecer respostas mais efetivas às legítimas necessidades e expectativas dos cidadãos.

Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)

O Departamento de Administração de Pessoal da Unifesp é ligado hierarquicamente à Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas da instituição, que conta com uma equipe direta de 34 (trinta e quatro) profissionais das mais diversas formações e repertórios, sendo responsável pela vida funcional de quase 10.000 (dez mil) servidores, sendo 6.000 (seis mil) ativos e aproximadamente, 3.000 (três mil) inativos.

O atual responsável por esse Departamento, André Simões, relata que ao assumir tal unidade, identificou desafios de todos os níveis de complexidade, além da necessidade de se investir em ações de comunicação e aprimorar o atendimento aos servidores da instituição. Por tratar-se de um Departamento antigo – com mais de 30 anos de existência – da Unifesp, possuiria uma cultura arraigada em posturas e valores conservadores.

Ademais, Simões ressalta, que um dos principais desafios encontrados, se relacionava a falta de comunicação entre as chefias e seus colaboradores, e a partir dessa constatação, decidiu investir na mentoria como processo de melhoria da comunicação intra e intersetorial, e especialmente, como meio de investir no desenvolvimento das chefias envolvidas, o que poderia resultar na resolução da maioria dos problemas relacionados à unidade de Administração de Pessoal da Unifesp.

Assim, inicialmente, o próprio Diretor se colocou disponível como o mentor dos coordenadores de equipes, atuando de forma regular e constante visando, inclusive, que esses se tornem futuros mentores de seus colaboradores. 

“A mentoria é uma ferramenta potente no desenvolvimento de novos líderes. A oportunidade de crescimento por meio desse processo de relacionamento, proximidade e troca de experiências é transformadora” (André Simões).

Ao longo do processo de mentoria dos coordenadores de equipes, ao vislumbrar  alguma demanda latente, referente à algum colaborador específico, Simões optou por também abrir espaço para a mentoria direta das equipes, mesmo que de forma mais esporádica, tendo em vista o potencial de avançar em posturas ou conhecimentos necessários dos colaboradores envolvidos com alguma atividade ou projeto, que apresentava necessidade de melhoria.

Com apenas dez meses de trabalho, Simões destaca as mudanças ocorridas:  apresentação de 24 (vinte e quatro) novas propostas construídas pelos coordenadores ou colaboradores, que vão desde o aprimoramento de rotinas das mais diversas complexidades, como também implementação de ações de desburocratização e otimização de tarefas, adoção de novas ferramentas e recursos tecnológicos, fortalecimento de uma cultura de comunicação com as equipes e melhorias no atendimento ao público/servidores.

Secretaria Municipal de Educação de Manaus

A Secretaria Municipal de Educação de Manaus desenvolve há 7 (sete) anos o Programa de Tutoria Educacional (PTE) voltado para os novos profissionais da educação, que ingressam na rede pública municipal. Vale destacar que a rede municipal de ensino de Manaus abrange 450 (quatrocentos e cinquenta) instituições escolares, dentre elas unidades indígenas e rurais, o que indica o alto nível de complexidade e diversidade abrangido pelo programa.

Tal programa nasceu da constatação da alta rotatividade dos educadores, que ao chegar na rede de escolas municipais, por meio de concurso público, não tinham qualquer acolhimento (onboarding), o que poderia estar contribuindo para o  alto quantitativo de pedidos de exoneração e abandono dos cargos.

Nesse contexto, o programa foi desenvolvido em parceria com a Fundação Itáu e o Centro Integrado de Estudos e Programas de Desenvolvimento Sustentável (Crieds) resultando em um processo de mentoria onde um professor formador, com mais experiência na instituição escolar, acompanha o professor recém-chegado em sua nova trajetória profissional, especialmente aqui, considerando o período do estágio probatório.

Tal acompanhamento é subsidiado por um plano de formação com metas e uma matriz de competências, que propicia a formação em serviço do novo professor da instituição, tendo como foco sua atuação pedagógica e entregas cada vez mais qualitativas e eficientes.

O programa, que inclui um processo constante de monitoramento e avaliação, tem gerado impactos significativos, o que pode ser constatado pelos vários reconhecimentos públicos alcançados, seja a nível nacional ou internacional.

“Nós acreditamos que ofertar um acompanhamento formativo ao profissional no período de estágio probatório é uma janela de oportunidade incrível de entregar a rede um profissional competente em seu fazer docente, alinhado às expectativas da instituição (Darcley Abreu dos Santos, coordenadora do programa)”.

E tudo indica, que esses resultados não param por aí!

Está previsto para o mês de agosto deste ano, o lançamento de e-books escritos por professores, que tiveram a oportunidade de participar do programa, onde esses relatam sua experiência, aprendizado e ganhos, como meio de disseminar a boa prática e conquistar mais e mais adesões de escolas de Manaus ao PTE.

Cultura de mentoria no setor público

Durante a elaboração deste artigo, grata surpresa ao ver divulgado nas redes sociais convite para evento realizado pela Enap no último dia 30, onde experiências nacionais e internacionais de mentoria no setor público foram apresentadas. 

Destaco as iniciativas da própria Enap – Programa de Mentoria para Altos Executivos – que consiste no investimento em servidores com alto potencial para liderar no setor público, por meio da troca de conhecimento e de experiências com líderes e ex-lideranças; e ainda, o projeto Mentoria Reuniões 1:1, do LA-BORA! gov, basicamente reuniões internas semanais com a intenção de construir confiança dentro da própria equipe do laboratório de inovação voltado para a gestão de pessoas, do Ministério da Economia.

Todas as iniciativas elencadas neste artigo, mesmo que de forma sucinta, demonstram o olhar estratégico de algumas instituições públicas, voltado para a formação e desenvolvimento de líderes, vislumbrando o impacto desses profissionais na cultura organizacional e especialmente, na retenção dos talentos, no alcance do propósito e no crescimento sustentável dessas organizações.

Se você conhece mais iniciativas como essas: compartilhe com o CLP! Nossa proposta aqui é reverberar por todo o Brasil, boas práticas simples e possíveis, que realmente impactem nosso setor público em favor de toda população!

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Camila Campos Cruz é Mestre em Administração Pública e Gestora Governamental

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