27/03/2019
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Liderança adaptativa em Brumadinho: como ser líder diante de uma tragédia

Liderança adaptativa em Brumadinho: como ser líder diante de uma tragédia
Foto: Diego Baravelli
Há dois meses, a barragem do Córrego do Feijão em Brumadinho, Minas Gerais, se rompeu. A Defesa Civil do Estado confirmou a morte de mais de 200 pessoas e ainda há mais de 90 desaparecidos. Além disso, quase mil moradores das proximidades de barragens da Vale, em outros municípios mineiros, tiveram que deixar suas casas.

Pegas de surpresa com a tragédia, duas líderes do Master em Liderança e Gestão Pública (MLG), estiveram envolvidas diretamente nas ações de assistência em Brumadinho: Elizabeth Jucá, Secretária Estadual de Desenvolvimento Social do Governo de Minas Gerais e Janaina Reis, Subsecretária de Assistência Social do Governo de Minas Gerais.

Nós conversamos com elas sobre os desafios desse trabalho. Confira:

Como foi a atuação da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social no caso de Brumadinho?

 

Elizabeth Jucá – O papel do estado, em primeiro lugar, é sempre apoiar o município, que é o dono do território. Chegamos pouco tempo depois, o rompimento aconteceu por volta de 13h e às 15h30 nós já estávamos lá. Nesse caso, foi bastante complicado porque a Secretária Municipal de Assistência Social estava desaparecida, depois descobrimos que ela foi uma das vítimas. Então a gente chegou e precisou dar uma força também nessa parte, organizando o cadastramento das pessoas que se sentiram atingidas e como seriam divulgadas as listas. Começamos também a avaliar a necessidade de psicólogos e assistentes sociais para dar apoio às famílias, juntamente com o município. Como apareceram muitos voluntários e doações, a gente também ajudou a coordenar como eles seriam distribuídos. Depois disso, a gente foi para o Centro de Operações Emergenciais, onde havia representantes das três esferas de governo e estava acontecendo o apoio psicossocial às famílias. Ao longo do tempo, o que agora a gente já chama de pós-emergência, continuamos nessa parte da organização até o município poder se fortalecer e continuar o trabalho.

 

Janaina Reis – A assistência possui um papel crucial em situações de emergência como essa. Junto com a Defesa Civil, são as equipes federais, estaduais e municipais da Assistência que atuam no território no processo pré, trans (durante) e pós emergência. No momento que recebemos a notícia já nos deslocamos a campo para prestar as primeiras ações. Esse é um momento muito importante durante todo o processo, pois são as equipes de assistência que aplicam os primeiros formulários às famílias e indivíduos direta e indiretamente impactados.

 

Quais foram os principais desafios?

 

Elizabeth Jucá – Brumadinho não é uma cidade muito grande e todo mundo tinha ou um amigo ou um parente desaparecido. O maior desafio foi conviver com esse sentimento de tristeza generalizada e tentar fazer algo para melhorar isso. Você não pode imaginar o que foi, uma cidade toda entristecida. Como estratégia, a gente fez algumas áreas de lazer para tentar tirar um pouco, pelo menos as crianças, desse clima. E foi muito bom porque quando as crianças estão mais felizes, esse sentimento acaba passando para as famílias. Mas isso tudo foi emergencial. Agora nós sabemos que esse trabalho psicossocial vai precisar ser feito por um longo tempo. Então nós, em parceria com o governo federal, estamos construindo um projeto para apoiar Brumadinho. Tivemos que contratar muitos psicólogos, assistentes sociais e advogados e estamos treinando essas pessoas para receber essas vítimas e ajudá-las a começar a caminhar, garantindo seus direitos.

 

Janaina Reis – Sou paulistana, fui Secretária Adjunta de Assistência Social, atuei em institutos e fundações de investimento social privado e relacionamento com comunidades e tive uma passagem exitosa pelo legislativo municipal. No entanto, atuar em um contexto de desastre como o que vivemos aqui foi o meu maior desafio profissional até o momento. Precisei absorver uma nova cultura, atuar com diferentes atores, agendas e necessidades de articulação e exerci, na prática, todos os conteúdos abordados em aula no MLG, em especial os conteúdos de liderança adaptativa para realizar as negociações e inovações entre os diferentes atores, trazendo todos para a mesma página. Precisávamos de consenso para garantirmos agilidade e transparência na tomada de decisão.

Banner Master em Liderança e Gestão Pública - MLG

E como vocês articularam as ações? 

Janaina Reis – É importante, nesse sentido, destacar uma inovação que foi fundamental. Ao contrário de Mariana, onde os formulários foram preenchidos pelas equipes da Vale, nossa gestão foi proativa e assertiva e, em parceria com o Ministério Público, criou um fluxo de entrevistas e preenchimento dos formulários exclusivamente feito pelo poder público. Em Mariana, esse processo levou 9 meses e a gente conseguiu concluir em quatro semanas. Isso nos possibilitou ter uma visão mais assertiva do impacto humano gerado. Criamos, para isso, o primeiro sistema eletrônico de formulários do Brasil e, em parceira com o Ministério da Cidadania, implantamos um protocolo nacional de atendimento para situações de catástrofe como essa. Também estruturamos um protocolo de atendimento para situações de pré-emergência em municípios como Nova Lima, Cocais, Congonhas e Itatiaiuçu, que apresentaram o que chamamos de “alertas 2 e 3”, com alto risco de rompimento de barragem. Eles também responderam a esse formulário e receberam orientação sobre os processos de evacuação.

 

Como o governo pode se planejar para esse tipo de acontecimento?

 

Elizabeth Jucá – Já estamos pensando nisso, é um projeto que está quase pronto. A partir de Mariana e Brumadinho, estamos desenvolvendo um protocolo para desastres com instruções sobre como se comportar em casos assim, com detalhes sobre como se organizar, quem são os atores, a quem se deve procurar. A gente sentiu muito a falta dessa segurança porque trabalhou nesse caso um pouco sem norte. A nossa preocupação era que não acontecesse como em Mariana, tentamos não repetir os erros, mas a gente ainda tinha muito o que aprender.

 

Por conta de Mariana, a Secretaria já estava mais preparada?

 

Elizabeth Jucá – Foi diferente. O caso de Mariana teve muitos desalojados. Então a gente chegou em Brumadinho pensando em desabrigados, o que não foi o caso. Tivemos muitas vítimas. Chegamos lá para atuar de uma forma e precisamos repensar estratégias e reaprender porque o número de desalojados não era tão grande assim. O problema eram as famílias que perderam seus entes queridos.

 

Como o Master em Liderança e Gestão Pública (MLG) te ajudou a coordenar e colocar em prática as ações em Brumadinho?

 

Elizabeth Jucá – O MLG me ajudou e muito porque foi preciso chegar lá e tomar a liderança de um processo que não é meu e me adaptar num momento de entristecimento coletivo. O conhecimento de liderança adaptativa foi muito importante para lidar com as pessoas nessa situação e fazer as coisas acontecerem.

Janaina Reis – O MLG foi fundamental porque ajuda a gente a pensar a inovação na prática. Graças aos conteúdos sobre orçamento público, conseguimos desenvolver um plano de análise de tributos, receitas e repasses da União e do Estado para Brumadinho e, assim, liberar recursos que estavam atrasados há mais de 26 meses, como o Piso Mineiro e o Bolsa Família. Os conteúdos de liderança adaptativa me ajudaram a compreender as diferentes agendas e necessidades dos atores, negociando com eles para pensar nas melhores soluções, focadas no cidadão. Já os conteúdos de métodos, me ajudaram a elaborar, em parceria com o município e o Ministério da Cidadania, um plano de ação de pré, trans e pós emergência que se tornou uma referência nacional.

 

Como foi atuar em conjunto com a também Líder MLG, Elizabeth Juca?

 

Janaina Reis – Foi fundamental. Para mim fez muita diferença, porque tivemos aquele sentimento de pertencimento. E isso aconteceu assim que soubemos que as duas eram líderes MLG, apesar de nem nos conhecermos antes. Isso acelerou muito todos os nossos processos, porque a gente sabia que estava partindo do mesmo ponto e querendo chegar ao mesmo lugar. Foi muito legal para os resultados conseguidos pela Secretaria como um todo.

 

E agora, como está a Assistência Social em Brumadinho?

 

Elizabeth Jucá – As ações continuam e estamos em uma fase de planejamento de longo prazo para apoio ao município. Todas as esferas do poder público estão agora pensando, num trabalho multidisciplinar, em soluções criativas para fazer a cidade voltar a ser o que era.

 

Janaina Reis – A gente viabilizou a contratação de mais de 60 novos servidores municipais, entre eles assistentes sociais e psicólogos, e reestruturamos a rede do sistema único de assistência no município de Brumadinho. Também fizemos uma parceria, inédita, com a União, Estado e Município, para desenvolver um plano de estruturação e reestruturação de Brumadinho e dos 24 municípios afetados.

 

O que destacaria nesse processo?

 

Janaina Reis – Em Mariana, foram consideradas as famílias, agora a gente está considerando os indivíduos. Isso é uma inovação inédita e muito importante porque a gente tinha dificuldades de monitorar quais tinham sido de fato os prejuízos e impactos para cada pessoa atingida.

 

______

Elizabeth Jucá e Mello Jacometti é Líder pelo Master em Liderança e Gestão (MLG) pelo CLP – Liderança Pública/Instituto Singularidade/Harvard Kennedy School, especialista em finanças pela Universidade Federal de Juiz de Fora e graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Atualmente é Secretária de Desenvolvimento Social no Governo do Estado de Minas Gerais.

Janaina Reis é bacharel em Relações Internacionais (PUC-SP) e tem especialização em Big Data and Social Analytics (MIT), além de ser Líder Master em Liderança e Gestão Pública (MLG) pelo CLP – Liderança Pública. Atualmente ocupa o cargo de Subsecretária de Assistência Social do Governo de Minas Gerais. 

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