Inteligência Artificial na Gestão Pública: O que, por quê e como?
9/02/2022
Gestão Pública.

Inteligência Artificial na Gestão Pública: O que, por quê e como?

30 toneladas, 180 metros quadrados e 18 mil válvulas. Assim era o primeiro computador desenvolvido pela humanidade, em meados dos anos 40. A partir de então, em apenas algumas décadas, os avanços científicos revolucionaram nossas vidas de maneira antes inimaginável, proporcionando acesso a tecnologias como celulares, notebooks, internet, e assim adiante.

Foi neste contexto que um campo da ciência, em especial, ganhou grande destaque: a ciência de dados. Inicialmente utilizada para resolver problemas simples, a capacidade de analisar dados tornou-se cada vez mais robusta e se espalhou por diversos ramos da sociedade. Seja na área da saúde, no sistema bancário, no setor de entretenimento, e até mesmo na indústria automotiva, a ciência de dados – mais especificamente a Inteligência Artificial (IA), passou a protagonizar radicais transformações. Não por acaso o campo é considerado uma das mais promissoras apostas para o avanço do século XXI, sendo pilar central das organizações mais valiosas do mundo como Amazon, Apple, Google e Microsoft.

Mas afinal de contas… O que tudo isso tem a ver com a administração pública? Antes de explicar os motivos, o funcionamento e os desafios da aplicação de Inteligência Artificial na Gestão Pública, vamos conhecer alguns casos reais!


Casos Reais: Utilização de Inteligência Artificial na Gestão Pública

Em 2018, o Departamento de Bombeiros da cidade de Pittsburgh (Pensilvânia – EUA), passou a contar com um sistema de Inteligência Artificial voltado para a detecção de incêndios. Desenvolvido em parceria com a Carnegie Mellon University, o programa utiliza um conjunto de dados históricos para calcular a propensão de ocorrer um incêndio em cada edificação da cidade. Com base no resultado, as inspeções de segurança do departamento são priorizadas, e segundo o levantamento da universidade, o modelo teve sucesso em prever em torno de 70% dos incidentes. Confira aqui maiores detalhes!

Desde 2017, o Tribunal de Contas de União (TCU) desenvolve ferramentas baseadas em Inteligência Artificial para apoiar suas atividades de fiscalização e controle externo. Talvez em uma das mais clássicas aplicações de IA, o TCU utiliza suas ferramentas sobretudo nas buscas por fraudes e irregularidades no gasto dos recursos públicos. Isso envolve a análise diária de centenas de editais, do Diário Oficial da União, do Portal Comprasnet, entre outros. Todos os dados coletados são organizados e devidamente processados nos algoritmos, retornando aos gestores indicações de possíveis irregularidades. Uma peculiar curiosidade consiste no fato de todos os sistemas até então desenvolvidos, receberem nomes de pessoas. Confira alguns!

Em 2020, o Serviço Social Autônomo ParanáCidade – vinculado ao governo estadual, lançou um aplicativo voltado para facilitar a análise de documentos enviados pelas prefeituras que solicitam recursos para projetos de desenvolvimento urbano. A ferramenta, denominada GurlA, baseia-se em algoritmos de Inteligência Artificial que analisam e classificam os arquivos recebidos, comparando-os com bases de dados externas e avaliando se estão em conformidade com as exigências legais. Os municípios pleiteantes ainda recebem um retorno com a indicação das eventuais inconsistências ou ausências na documentação submetida. Além de agilizar o processo para as prefeituras, o aplicativo facilita o processo por parte do governo estadual, uma vez que tal atividade envolveria uma numerosa equipe de técnicos caso fosse conduzida manualmente. Você pode conferir aqui maiores detalhes sobre a iniciativa!


O que exatamente é Inteligência Artificial?

Como vimos, as aplicações da IA podem ser bastante diversas, e os algoritmos bastante complexos. O conceito por de trás, entretanto, é simples: a tentativa de simular o raciocínio humano por meio da computação. Para tanto, os algoritmos analisam grandes bases de dados e tomam decisões em função de regras e definições estabelecidas, “acumulando o conhecimento” no processo.

Os primeiros registros relacionados ao campo da Inteligência Artificial foram identificados nos anos 50, quando os cientistas norte-americanos Allen Newell e Herbert Simon iniciaram estudos no laboratório da Universidade de Carnegie Mellon. Ao longo dos anos, o tema evoluiu tanto no âmbito prático quanto no âmbito acadêmico, sendo objeto de estudo de especialistas de todo o mundo. O tema ganhou muito protagonismo no século XXI, sendo considerado a aposta de diversas empresas e até mesmo de governos.

Cabe ainda apontar que o conceito de Inteligência Artificial está diretamente relacionado ao campo da Ciência de Dados. Apesar de não serem exatamente o mesmo objeto, pode-se considerar que a IA faz parte da Ciência de Dados. Além disso, existem diversos subcampos na IA, como Machine Learning, Deep Learning, PLN, entre outros. Caso se interesse pelo tema, confira este artigo para se aprofundar!


Por que governos devem utilizar Inteligência Artificial?

Os motivos para utilizar a Inteligência Artificial na Gestão Pública são diversos. Seja para otimizar um processo, prever incidentes, identificar fraudes, automatizar uma tarefa ou até para desenvolver um serviço. As possibilidades são numerosas, e a pertinência de cada uma delas irá variar de acordo com as condições e necessidades de cada realidade. Dentre os campos de aplicação, alguns recebem maior destaque e são considerados promissores, chamando a atenção dos gestores públicos. Dentre eles está o campo da saúde, com diversas aplicações relacionadas a automatização de diagnósticos; a automação de processos, com aplicações em setores como o de compras públicas; e o campo da interação com o cidadão, existindo experiências exitosas com chatbots nas mais diversas áreas.

É importante destacar, todavia, que a Inteligência Artificial na Gestão Pública nada mais é do que uma ferramenta que pode ser utilizada para alcançar determinados objetivos. Longe de ser uma panaceia, essa ferramenta exige que se tenha claro quais os problemas que a organização quer resolver, que se conte com uma equipe capacitada para desenvolver os algoritmos, e que se implemente as soluções na prática.


Como utilizar Inteligência Artificial na Gestão Pública?

Bom, já entendemos o conceito e a relevância desse tema para a administração pública. Mas como efetivamente desenvolver e implementar algoritmos de Inteligência Artificial na Gestão Pública, em especial nas prefeituras? Como resposta, podem ser apontados três principais caminhos.

A primeira alternativa para a utilização de IA em governos consiste no desenvolvimento de capacidades internas, ou seja, no treinamento ou na contratação de servidores especializados para comporem uma equipe interna. Uma prefeitura, por exemplo, pode abrir concursos para vagas de engenheiro ou engenheira de dados, cientista de dados e programadores na Secretaria de Inovação de Tecnologia, criando uma equipe responsável por apoiar na resolução de problemas via Inteligência Artificial. No caso de grandes capitais, ou de governos estaduais/federal, é comum a existência de empresas públicas especializadas em análise e processamento de dados, tais como a SERPRO, PRODESP e PRODAM/SP.

Nem sempre, todavia, a opção de uma equipe interna será viável ou suficiente. Prefeituras pequenas podem enfrentar barreiras tanto na alocação de recursos para contratação, quanto na oferta de mão-de-obra qualificada. Além disso, organizações que já contam com equipes ou departamentos de análises de dados podem necessitar alternativas diante de sobrecarga de trabalho ou falta de conhecimento técnico específico. Nesse sentido, os dois próximos caminhos podem ser pertinentes.

Assim como ocorreu na cidade de Pittsburgh, descrita no Caso 1, prefeituras brasileiras também podem concretizar parcerias para o desenvolvimento de soluções embasadas em Inteligência Artificial. Sejam universidades, empresas juniores ou centros de pesquisa, acordos entre o poder público e demais organizações dispostas a cooperar podem viabilizar projetos e iniciativas. Os formatos para concretizar esse tipo de parceria são diversos, mas uma opção em específico tem ganhado destaque: os desafios. A proposta deste formato consiste na organização de uma competição que incentiva alunos, universidades ou startups a fornecerem soluções para um problema específico que o órgão governamental enfrenta. Os vencedores podem receber algum tipo de incentivo financeiro e reconhecimento público, além de ter a possibilidade de implementar sua solução. Apesar de não ser restrita a um tema específico, essa modalidade de parceria pode ser aplicada para desafios relacionados à Inteligência Artificial.

Por fim, a terceira alternativa consiste na contratação direta. Como qualquer outro tipo de serviço, as prefeituras podem contratar empresas especializadas para apoiar em demandas relacionadas à ciência de dados. Nesta alternativa, é importante que o poder público se atente às regras de privacidade e propriedade nos contratos, assegurando que não haja nenhum tipo de violação dos direitos digitais da população, e que não se estabeleça uma relação de dependência obrigatória para com a empresa contratada (lock-in costs).

As três alternativas mencionadas não são mutuamente excludentes, podendo ser complementares em diversas situações. Todavia, há um aspecto que está por detrás de qualquer caminho, independentemente do tema, escopo, área ou ramo da aplicação: a coleta e organização dos dados. A qualidade de um modelo de Inteligência Artificial está diretamente relacionada com a quantidade e com a qualidade dos dados disponíveis. Para garantir que se tenha insumos suficientes que permitam a elaboração de bons modelos, é imprescindível a estruturação de uma consistente e sólida governança de dados. 


Inteligência Artificial na Gestão Pública: uma poderosa ferramenta

Se o século XXI trouxe inúmeras inovações, tecnologias e avanços científicos, também trouxe problemas cada vez mais complexos. Assim como no setor privado, governos do Brasil e do mundo necessitam recorrer a ferramentas cada vez mais robustas e capazes de lidar com as demandas da população. Nesse contexto, a Inteligência Artificial se apresenta como um pertinente e poderoso instrumento para potencializar os esforços públicos no cumprimento de seu papel fundamental, a geração de valor público. 

Leia também: O que são govtechs e como elas podem contribuir para a gestão pública?

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Marcelo Milko é formado em Administração Pública pela Fundação Getulio Vargas (FGV/EAESP), onde desenvolveu pesquisas nos temas de Federalismo, Governos Locais e Infraestrutura. Teve experiências profissionais na equipe de gestão da Prefeitura de Buenos Aires e no ecossistema de startups e tecnologia para governos. Hoje trabalha com gestão na Consultoria Falconi.

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