Inovação: como aplicar Design Thinking na Administração Pública?
27/07/2021
Gestão Pública.

Inovação: como aplicar Design Thinking na Administração Pública?

O universo da inovação já o adotou como um de seus pilares, o setor privado vem conhecendo cada vez mais sua metodologia e o terceiro setor também gosta de se arriscar neste modelo. Mas quando pensamos no setor público, o Design Thinking faz sentido como forma de construir processos?


Inovação e Setor Público

A resposta é um grandioso sim. Quando debatemos inovação, a administração pública entra na conversa como aquele livro antigo, que muitos acreditam que já passou da validade de ser usado como referência, mas a verdade é que o senso comum de uma gestão pública tal como antiquada não poderia estar mais enganado.

A inovação no setor público surge com a proposta de concretizar os 3 Es: eficiência, eficácia e efetividade, para melhorar a “experiência do cliente”, ou no caso, para maior satisfação da população beneficiária de serviços públicos. 

Podcast Coisa Pública: Inovação e desenvolvimento em tempos de coronavírus

Por mais que saibamos da burocracia e da dificuldade em alterar processos tradicionais no estado, sendo este o maior detentor de ofertas de serviço, não existiria lugar melhor para testar propostas inovadoras se não aqui, com a possibilidade de medir resultados em grande escala e trazer o maior impacto, visto o número de possíveis usuários.

Assim, os estudos de inovação no campo das públicas são um ramo da Academia que vem defendendo argumentos e gerando respostas que contribuem para os processos de desenvolvimento, ainda que seja um campo de estudos pouco explorado e com margem para contribuir ainda mais a longo prazo.¹

Lei também: Transformação e Inovação no Setor Público


O caso do Design Thinking

Mas afinal, se o mundo da inovação é tão extenso, em que momento passamos a ver exemplos do Design Thinking na formulação de políticas públicas?

Design Thinking² é uma “metodologia de desenvolvimento de produtos e serviços focados nas necessidades, desejos e limitações dos usuários”.
No processo de policymaking, ele define melhor o problema, permitindo um entendimento mais preciso da experiência dos cidadãos nos serviços públicos, e possibilitando o gestor consiga, efetivamente, aumentar o valor público.³ A inclusão da perspectiva do usuário final no processo de formulação de uma política garante um entendimento da problemática de forma mais analítica, rica, e permite direcionar a atenção para soluções mais detalhadas e, dessa maneira, mais eficazes e efetivas (Chambers 2003; Fung 2006).4

O principal aspecto inovador do Design Thinking no setor público seria ainda a união de formuladores de políticas, departamentos governamentais, beneficiários, e agências de serviços para trabalharem de forma colaborativa e interativa5, dando início a uma habilidade inerente ao serviço público: o trabalho com empatia.

“Através de métodos etnográficos interativos, o Design Thinking traz a promessa de preencher a lacuna comum na administração pública entre os objetivos da formulação de políticas e as experiências dos cidadãos ao interagirem com os serviços do governo” (Mintrom e Luetjens, 2016, p.392)6


Histórico do Design Thinking no processo de policymaking

A principal virada de chave onde se percebeu o potencial do design na gestão pública foi a disparidade da velocidade das mudanças sociais e a incapacidade do estado em acompanhá-las (Mendonça, Letícia Koeppel. 2019, p.44).7

A partir dos anos 2000, houve uma desconexão entre os problemas públicos (wicked problems) e a forma de atuação do estado, sendo a natureza dos problemas advinda da integração de serviços, tecnologia, informação e conectividade, e a administração pública seguiu estruturada sob o modelo de administração de uma sociedade industrial, enrijecida, com o processo de formulação de políticas públicas pautado quase que exclusivamente sob a lei da burocracia. Segundo Bourgon (2011)8, o estado seguia lidando com seus problemas sob a ótica do provedor, sendo os cidadãos vistos de forma limitante tal como atores passivos.

Passou a existir, portanto, uma pressão sobre a efetividade das políticas públicas, dado que estas não atendiam a imprevisibilidade e transversalidade dos problemas, advindos de uma sociedade múltipla que não estava sendo vista pelos equipamentos os quais a atendia.
Assim, se dá início ao “movimento” de experimentação dos governos, a fim de buscar diferentes abordagens, inovar nas práticas e, de fato, resolver os problemas, marcando assim o início da tal era da “inovação no setor público”. A pauta consiste, portanto, em um conjunto de experimentações de novas abordagens para problemas públicos, aplicadas ao processo de construção e implementação de políticas públicas (policymaking), incluindo aqui o foco no Design Thinking. 

Foi uma grande tomada de risco para o histórico intransigente da administração pública, mas diríamos que o design permitiu um tiro certeiro em meio à escuridão. 


Como vem funcionando no Brasil?

Os laboratórios de inovação, também conhecidos como i-labs, já atuam no Brasil desde 1999, sendo a maioria instituída após a década de 2010.

“Laboratórios de inovação no setor público são ambientes colaborativos que buscam fomentar a criatividade, a experimentação e a inovação, por meio da adoção de metodologias ativas e da cocriação, na resolução de problemas.” (ENAP, 2020)9

Segundo o levantamento do IPEA, “Descobrindo Laboratórios De Inovação No Setor Público”10, a maioria do grupo-alvo dos i-labs brasileiros são departamentos ministeriais e braços de atuação do governo a nível local, de modo que as organizações do setor público ainda concentram suas habilidades de inovação essencialmente em processos administrativos internos.

E acredite, todos nós já fizemos uso de serviços públicos que se originaram pelo processo de design thinking no Brasil. Em São Paulo temos a política pública de nível estadual denominada Poupatempo, que efetivou a ideia de aproximar a administração pública do cidadão, resolvendo de forma rápida o problema de emissão de documentos tais como RG, atestado de antecedentes criminais e outros.

Para conhecer mais sobre o Laboratórios de Inovação no Brasil, confira o estudo da ENAP “Laboratórios De Inovação No Setor Público: Mapeamento E Diagnóstico De Experiências Nacionais”.11

Alguns exemplos de i-labs ao redor do mundo, e seus respectivos trabalhos, você também pode conferir abaixo:

Mindlab – Dinamarca

La 27e Région – França

DesignGov – Austrália

Public Policy Lab – EUA

MaRS Solutions Lab – Canadá

Mexico City’s Laboratorio para la Ciudad, ou LabPLC – México

Helsinki DesignLab (HDL) – Finlândia

¹https://www.scielo.br/j/rap/a/MyVNP8ZmNZvfxwFt4r3VbsM/?lang=pt

²http://www.inovacao.usp.br/o-que-significa-design-thinking/

³https://onlinelibrary.wiley.com/doi/pdf/10.1111/1467-8500.12211#:~:text=Design%20thinking%20has%20the%20potential,desire%20to%20enhance%20public%20valu

4 Chambers, Simone. 2003. ‘Deliberative Democratic Theory’. Annual Review of Political Science 6(1):307–326 |  Fung, Archon. 2006. ‘Varieties of Participation in Complex Governance’. Public Administration Review 66(s1):66–75.

5 https://onlinelibrary.wiley.com/doi/pdf/10.1111/1467-8500.12211#:~:text=Design%20thinking%20has%20the%20potential,desire%20to%20enhance%20public%20value.

6

http://www.mestradoprofissional.gov.br/sites/images/mestrado/turma3/leticia-koeppel-mendonca.pdf

8 BOURGON, J. A New Synthesis of Public Administration. Serving in the 21st Century, Quebec: McGill-Queen’s University Press, 2011.

9https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/5112/1/69_Laboratorios_inovacao_governo_completo_final_23062020.pdf

10http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8798/1/Descobrindo%20laborat%c3%b3rios%20de%20inova%c3%a7%c3%a3o.pdf

11https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/5112/1/69_Laboratorios_inovacao_governo_completo_final_23062020.pdf

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Juliana Arida é paulistana, de família de imigrantes egípcios e formada em Administração Pública pela FGV, com especialização em Relações Internacionais. Apaixonada por políticas públicas e pelo cenário político brasileiro e mundial.

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