As medidas para o cumprimento da função social da propriedade urbana
10/11/2021
Gestão Pública.

As medidas para o cumprimento da função social da propriedade urbana

A Constituição de 1988 trouxe um grande protagonismo para a Política Urbana, dedicando-lhe um capítulo próprio, ainda que curto. No decorrer do texto da  Constituição, verificamos o direito à propriedade atrelado à função social: o imóvel urbano a cumpre quando está em conformidade com o estabelecido pelo plano diretor. 

O proprietário descumpridor desse princípio fica sujeito a medidas como o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, IPTU progressivo no tempo e  desapropriação em títulos da dívida pública. Essa postura foi uma grande virada de chave, uma vez que, até então, a  propriedade assumia um caráter de direito absoluto. 

Em 2001, é editado o Estatuto da Cidade, reafirmando a importância da função social da cidade e também da propriedade, que deve existir em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos e do equilíbrio ambiental. Em 2002, o novo Código Civil reafirma o caráter social da propriedade, pois, de  acordo com o artigo 1.228, §1º,

o direito de propriedade deve ser exercido em  consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam  preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as  belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como  evitada a poluição do ar e das águas”. 

Mesmo após quase 33 anos de vigência da Constituição, os instrumentos indutores da função social da propriedade urbana ainda são utilizados de forma muito incipiente nos municípios brasileiros. Os gestores públicos municipais responsáveis a dar cumprimento a essa tarefa enfrentam diversos desafios. É preciso muito jogo de cintura, capacidade técnica e criatividade.


Medidas que podem ajudar os gestores nesse processo

Criar departamento especializado em função social com técnicos qualificados

É desejável que as Prefeituras, em suas estruturações administrativas, prevejam e criem departamentos especializados em dar cumprimento à função social da propriedade urbana. Ao criar um setor que se debruce somente a esse assunto, profissionaliza-se todo o processo de elaboração, execução e monitoramento dessa importante política pública.

Conseguir atrair recursos humanos capacitados e diversificados para o departamento é de suma importância. A política pública de controle dos imóveis ociosos requer funcionários que tenham expertise em diversas áreas: arquitetos e urbanistas, engenheiros, advogados, agentes de apoio, etc. É aconselhável que o departamento reúna o maior número possível de servidores efetivos, principalmente quando pensamos em continuidade das políticas públicas.

O Município de São Paulo possui, desde 2013, um departamento exclusivo para fazer esse controle. É a Coordenadoria de Controle da Função Social da Propriedade – CEPEUC -, atualmente vinculada à Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento – SMUL.

Atuar em conjunto com os diversos atores envolvidos no tema

Uma boa gestão da política de controle de imóveis ociosos requer um bom entrosamento entre os atores envolvidos. Podemos citar os membros da respectiva Secretaria de Desenvolvimento/Planejamento Urbano para a identificação e notificação dos imóveis ociosos, os membros da Secretaria de Finanças e do Departamento Fiscal da Procuradoria-Geral do Município para controle dos imóveis ingressantes em IPTU progressivo no tempo, entre outros departamentos pertinentes.

Pensar nos instrumentos alternativos de cumprimento da função social

Mesmo com todo o aparato constitucional e legal, são raros os Municípios brasileiros que aplicam os instrumentos indutores da função social da propriedade urbana. Isso requer muita criatividade dos gestores públicos municipais para a propositura de instrumentos alternativos, tais como a arrecadação por abandono e o consórcio imobiliário.

O primeiro, previsto no Código Civil e na Lei de Regularização Fundiária, possibilita a arrecadação pelo Município do imóvel abandonado pelo proprietário que não satisfaz os ônus fiscais. Já o segundo, previsto no Estatuto da Cidade, é uma forma de viabilização financeira do aproveitamento do imóvel.

Sejam esses ou outros instrumentos adotados, o importante é conseguir cumprir o mandamento constitucional, o que ajudará o planejamento urbano como um todo, trazendo cidades mais inclusivas e com menor déficit habitacional.

Leia também: As políticas públicas para a infância como uma oportunidade de reconquista dos espaços urbanos pós-pandemia

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Nathalia Leone Marco é Advogada Especialista em Direito Municipal pela Escola Paulista de Direito – EPD. Analista de Políticas  Públicas e Gestão Governamental da Prefeitura de São Paulo/SP. Educadora institucional da Escola  Municipal de Administração Pública de São Paulo, na área de Direito Urbanístico. Coautora e  coordenadora do livro “A Boa Gestão Pública e o Novo Direito Administrativo: dos conflitos às melhores  soluções práticas”, da SGP – Soluções Gestão Pública. Autora de artigos jurídicos e de gestão pública.

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