A importância da construção de políticas públicas para mulheres negras
13/12/2021
Engajamento Político, Negritude Pública.

Rompendo com a invisibilidade: A importância da construção de políticas públicas para mulheres negras

“E não sou eu uma mulher?” Esse questionamento foi feito em 1851 por Sojourner Truth, mulher negra abolicionista e defensora dos direitos das mulheres negras, em um encontro onde eram discutidos os direitos políticos das mulheres, em principal das mulheres brancas. Nesse encontro, por meio de um famoso discurso, Sojourner trouxe à tona a invisibilidade das mulheres negras perante uma lógica social excludente em consonância com a estrutura do racismo, que colocava e ainda coloca mulheres negras em uma situação muito mais excludente em relação a outros grupos.

Imagem de Sojourner, disponível em: https://www.geledes.org.br/sojourner-truth/ 

Nesse cenário Sojourner, já instigava um conceito que só seria mais discutido no século XXI: a interseccionalidade. Esse conceito, diz respeito ao atravessamento de diferentes marcadores sociais sobre uma mesma experiência de vida.  Kimberlé Creshaw, professora e especialista em questões de raça e gênero em prol dos direitos civis, trouxe esse conceito à tona justamente para enfatizar os diferentes marcadores sociais que atravessam as experiências da mulher negra na sociedade. 

Infelizmente, no cenário brasileiro essas experiências, em maioria, colocam as mulheres negras em situação desigual perante os outros grupos, e na ausência iminente de políticas públicas, são raros os avanços para que essas mulheres estejam em pé de igualdade com outros grupos na sociedade.


As desigualdades vividas pelas mulheres negras no Brasil 

Para se ter uma ideia, em 2003 no relatório “Retrato das Desigualdades Gênero e Raça” do IPEA, constatou-se que mulheres negras tinham menor acesso à  educação  e  estavam  inseridas  nas posições menos qualificadas do mercado de trabalho. Junto a isso, mulheres negras também foram as que menos procuraram ou fizeram um exame preventivo de diagnóstico do câncer de mama antes dos 40 anos. O mais alarmante é que passados 19 anos desse cenário, nenhuma política pública foi construída com o intuito de inserir essas mulheres no mercado de trabalho, ou de campanhas de prevenção ao câncer, de forma focal e estratégicas direcionadas a esse público. 

Em 2021 com a pandemia, os dados refletiram no impacto sobre as mulheres negras, onde o estudo da Oxfam Brasil, “Mulheres Negras e pandemia” demonstrou que elas foram as mais impactadas com a perda de postos de trabalho, já que em grande parte, as mulheres negras exercem profissões do cuidado, que são desenvolvidos na maior parte das vezes de forma presencial. Não podemos deixar de considerar que a primeira vítima do coronavírus no Brasil foi uma mulher negra de meia idade, que desempenhava trabalho doméstico.


Mulheres negras na política 

No campo da política temos um dado ainda mais preocupante: as mulheres negras são apenas 2% da composição do Congresso Nacional e menos de 1% na Câmara de Deputados. E isso tem reflexo direto na construção de políticas públicas, uma vez que essas ausências inibem a construção de políticas públicas direcionados e alinhadas com a realidade e experiência desse público. 

A importância da construção de políticas públicas para mulheres negras

Em 2014, na composição da Câmara federal, mulheres negras (pretas e pardas) correspondiam a apenas 2,2%. Logo tivemos pouco avanço em relação a 2018.


Um avanço para as trabalhadoras

No meio disso tudo, um importante avanço para as mulheres negras acontece apenas em 2015 com a PEC das domésticas, que elencou uma série de direitos para as trabalhadoras domésticas e deveres para quem contratassem esse serviço. Um avanço, no campo da legitimidade de um direito a um trabalho digno, que trouxe avanços, mas que também carece de melhor acompanhamento, já que ainda hoje esses direitos ainda são negligenciados.


O papel dos gestores públicos neste sentido

Retornando ao discurso de Truth, chego aqui depois de passar por esse contexto, trazendo uma proposta para que nós futuros e/ou atuais pessoas gestoras no setor público e até mesmo no privado possamos encarar as realidades, necessidades e dores que estão presentes na vida da mulher negra. Às vezes pensamos em começar por ações muito robustas sem considerar os contextos vivenciados por essas mulheres, porém o início de construções dessas ações deve ser orientado por um fazer a partir da experiência, portanto ouvir as demandas e criar espaços de diálogos com as mulheres negras, entender de forma intencional as demandas apresentadas, e conhecer as reais necessidades desse grupo. 

Colocar tais ações em prática, é promover justiça social e equidade, além de entender que as diferenças que nos compõem devem ser olhadas com atenção e responsabilidade em praticar aquilo que nos é dever: construir um futuro melhor para as pessoas, e isso começa no presente e por nós. 

Desejo que esse texto possa te levar a refletir mais sobre as interseccionalidades que permeiam a nossa sociedade e sobretudo a realidade das mulheres negras em uma sociedade permeada por uma estrutura racista e sexista. Que não nos acostumemos com as ausências, que possamos não nos conformar com elas e a partir disso construir ações que garantam a inclusão das mulheres negras nos diferentes espaços e garantia de seus direitos mais essenciais!

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Aline Miranda é mineira, estudante do curso de Administração Pública na Universidade Federal de Lavras, também é estagiária na B4People Cultura Inclusiva. Apaixonada pelo campo de públicas e em trabalhar com pessoas, buscando sempre desenvolver e aprender com todas as experiências.

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